A Austrália tem o ambiente naturalmente propício a queimadas sazonais entre o final da primavera e o início do verão, mas dessa vez o avanço do fogo começou mais cedo e ultrapassou todos os limites. Os incêndios se iniciaram em setembro por causa de uma grave seca que atinge principalmente a região Sul do país e provocou ondas de calor recorde, com temperaturas que atingem 50°C. Os ventos fortes contribuem para propagar o fogo por uma vasta região e, desde setembro, foram devastados mais de sete milhões de hectares. Por conta da seca, qualquer faísca, por ação humana ou causas naturais, desperta o fogo e aumenta o estrago. Nova Gales do Sul, estado mais populoso, concentra 70% dos focos de incêndios, que só serão contidos com o início das chuvas.

Destruição da fauna

No monitoramento espacial, a NASA afirma que as queimadas têm sido mais destrutivas em regiões de floresta de eucaliptos, árvore nativa do país. Em locais periféricos de Sydney, o fogo também se propaga. Na Costa Leste, os vilarejos estão cobertos por cinzas, o céu está avermelhado e nas cidades o ar está repleto de uma fuligem sufocante. Foram contabilizados mais de 200 focos de incêndio incontroláveis, comunidades foram devastadas, 25 pessoas morreram e quatro mil fugiram para a região litorânea de Victória. Calcula-se que meio bilhão de animais nativos tenham sido consumidos pelo fogo. Metade da população de coalas morreu. A ilha de Kangoroo, santuário do animal de mesmo nome, foi devastada. Espécies raras da fauna e da flora podem deixar de existir. Todo ecossistema está comprometido. Até seres marinhos, como a Grande Barreira de Corais, a maior do mundo, pode desaparecer por causa da mudança de temperatura e do aquecimento das águas.

“Deve-se aumentar o monitoramento e a fiscalização de áreas de risco para evitar que a situação piore ainda mais” Nayara Ribaski, professora de Engenharia Florestal da PUC-PR (Crédito: SAEED KHAN / AFP)

A realidade de destruição sentida na terra, no ar e no mar da Austrália tem sido continuamente negada por políticos, empresários e ecocéticos. A ardente tragédia anunciada está presente num país que, há pouco tempo, era considerado o mais nocivo do mundo contra políticas públicas para o controle do aquecimento global. A Austrália ficou em último lugar entre
57 nações do Índice de Performance em Mudanças Climáticas, preparado pela organização alemã não governamental Germanwatch. O País é um dos maiores exportadores carvão e gás no mundo. Desde 1996, os governos de direita têm deixado de lado os acordos ambientais internacionais ratificados pelas grandes potências para beneficiar a indústria de combustíveis fósseis. O primeiro-ministro Scott Morrison, liderança desse pensamento econômico de crescimento que não leva em consideração a emergência climática faz o jogo das empresas sujas. Seu grupo político ficou conhecido como “força regressiva”.

Entre 1950 e 2019 houve o aumento de 1°C na temperatura média e a severidade da seca e do calor, no ano passado, proporcionou queda de 22% dos lucros do agronegócio. No total, a destruição desse inicio de ano em toda Austrália levou a um prejuízo de US$ 2 bilhões. O alento é que a união das pessoas e o formidável trabalho dos bombeiros – no total há 170 mil profissionais e voluntários combatendo o incêndio – têm ajudado a poupar vidas humanas e de animais. A família do falecido biólogo Steve Irwin, que ficou famoso como “O Caçador de Crocodilos” na TV, administra o hospital de vida selvagem. Sua esposa Terri e seus filhos, Bindi e Robert, já atenderam mais de 90 mil animais feridos e intoxicados pela fumaça.
Trazida pelo vento, a fumaça dos incêndios da Austrália, depois de passar pela Argentina e pelo Chile chegou ao Brasil e foi percebida no Rio de Grande do Sul na tarde da terça-feira 7. A agressão às florestas australianas são seis vezes maiores que as queimadas na região amazônica brasileira em 2019. Mas os eventos não podem ser comparados. No caso brasileiro, as queimadas estão relacionadas de forma preponderante com o desmatamento ilegal, ação de grilagem de terra, mineração exaustiva, e pastagem abusiva. Para a Nayara Ribaski, professora do curso de Engenharia Florestal da PUC-PR, a expressão “emergência climática” tenta reforçar que a crise do clima necessita de maior engajamento tanto na Austrália como no Brasil. E a situação pode ficar ainda mais grave, caso medidas sérias não sejam tomadas. “Deve-se aumentar o monitoramento e a fiscalização de áreas de risco para evitar que a situação piore ainda mais”, diz Ribaski.