A casta do funcionalismo público brasileiro, nas três esferas (municipal, estadual e federal) e nos três poderes (executivo, legislativo e judiciário), não satisfeita em pertencer ao estrato mais rico da sociedade (está entre o 1% mais abastado do País), contar com benefícios, mordomias e privilégios inimagináveis ao cidadão comum, gozar de estabilidade funcional, aposentadoria especial e acúmulo de vencimentos quase ilimitados, decidiu se conceder um reajuste para lá de generoso ao apagar das luzes de 2022, em meio às negociações – e negociatas! – de PEC, teto de gastos, orçamento secreto, nomeações para o novo governo entre outras “cositas más”.

Durante o programa Conversa de Redação, da Rádio Itatiaia, onde participo diariamente como comentarista, eu e meus colegas debatemos a respeito. Pessoalmente, minha indignação se dá menos com os valores envolvidos e mais com a estrutura de organização do Estado. Por mim, o funcionalismo público estaria submetido a regras claras e permanentes, independentemente do poder executivo e da legislatura de ocasião, as mais próximas o possível das regras da iniciativa privada, que é quem banca a farra toda. Não consigo aceitar que 99% dos brasileiros, a maioria em condição de pobreza, quando não raro de absoluta miséria, sejam obrigados a custear o que Brasília decide em favor de si mesma.

Neste natal, a inflação recorde de alimentos nos últimos anos irá empobrecer sobremaneira a ceia de natal da grande maioria dos brasileiros. Já a turma que se concedeu salários de 40 mil reais (e além!) não terá muito do que reclamar. Enquanto os pagadores de impostos comerão ossos de frango e trabalharão horas e horas sem direito a feriado, a turma de abonados irá saborear iguarias finas e sorver bebidas importadas, contando com o gozo de dias não trabalhados e devidamente remunerados. O Brasil-colônia não acabou quinhentos e tantos anos depois; apenas mudou de mãos. E a escravatura, hoje, não distingue cor de pele, além de não operar mais pela extrema violência física, é verdade. Mas continuamos – os pobres mortais – servindo aos reis e seus apaniguados.