Aumento de porcentagem de etanol na gasolina impulsiona biocombustíveis de milho

Aumento de porcentagem de etanol na gasolina impulsiona biocombustíveis de milho

"ACrescimento do setor de etanol de milho no Brasil tornou-se peça-chave para atender demanda crescente do país por combustível. Mas expansão também acende alerta para preocupações ambientais.De olho nas nuances geopolíticas que impactam a economia brasileira, o governo Lula anunciou o aumento da mistura obrigatória de biocombustíveis: a gasolina passará a ter 30% de etanol. Já o diesel, 15% de biodiesel. A decisão, que entrará em vigor em agosto, foi celebrada como um passo rumo à autossuficiência energética e à redução das emissões de carbono.

Mas há um detalhe: boa parte do novo etanol virá do milho – e não da cana, como tradicionalmente ocorre. E a mudança, apesar de ser vista como positiva por especialistas ouvidos pela DW, poderá alterar o mapa da energia e do agronegócio no Brasil, com implicações ambientais, econômicas e sociais.

"Se não houver um planejamento territorial, agrícola e hídrico robusto e com base em evidências, os usos competitivos [da terra para plantação] irão agravar os impactos ambientais e anular os potenciais benefícios climáticos", alerta a pesquisadora e membro eleita da Academia Brasileira de Ciências, Mercedes Bustamante.

Menor dependência, combustível mais limpo

O governo federal decidiu elevar a mistura obrigatória de etanol na gasolina de 27% para 30% (E30) e de biodiesel no diesel de 14% para 15% (B15), a partir de 1º de agosto. A expectativa é diminuir a dependência brasileira do petróleo e reduzir as importações, em um momento conturbado no mercado diante das instabilidades geopolíticas no mundo, além de um avanço estratégico na descarbonização do transporte pesado, um dos setores mais difíceis de reduzir emissões.

Além do apelo ambiental, o E30 reacende a promessa de alívio no bolso dos brasileiros: com a nova mistura, o Brasil voltaria à autossuficiência em gasolina, após 15 anos, e a queda no preço desse combustível nos postos pode chegar a R$ 0,20 por litro, segundo cálculos do governo.

"Estamos avançando com segurança no E30 e no B15 em nossos veículos. Estamos vencendo a batalha do preço dos combustíveis, para mantê-los cada vez mais baratos na bomba para o consumidor brasileiro. Isso é fundamental para manter o círculo virtuoso da economia por meio do combate à inflação", afirmou, no dia do anúncio, o ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira.

Nova fronteira

Para atingir esses objetivos, o país conta com o aumento no cultivo do milho. De acordo com relatório do Citi, a indústria de etanol de milho no Brasil passou de praticamente inexistente a um dos pilares da matriz de biocombustíveis em menos de uma década, com previsão de produção de até 16 bilhões de litros até 2032/33 – cerca de um terço de todo o etanol produzido no país.

Segundo o Citi, já existem 22 usinas dedicadas à operação, com 12 em construção e 9 autorizadas pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). O banco afirma que, como o milho é plantado na segunda safra, popularmente conhecida como safrinha, ele garante suprimento estável durante o ano, inclusive na entressafra da cana-de-açúcar – que normalmente ocorre entre março a novembro no centro-sul do país.

Para Guilherme Nolasco, presidente da União Nacional do Etanol de Milho (Unem), se não houvesse o aumento da produção de etanol de milho nos últimos anos, o Brasil não teria condições de fazer uma política pública de aumento da mistura, dado que não haveria combustível disponível e previsibilidade de oferta.

"Essa solução está pronta, é economicamente viável, ambientalmente positiva dado que descarboniza de 70% até 90% da matriz fóssil, e o país ainda tem uma estrutura de abastecimento consolidada, não é necessário investimentos para aquele combustível chegar ao tanque do veículo. Ela é made in Brasil, é a nossa jabuticaba", diz

O CO2 emitido pelo etanol pode ser considerado neutro, dado que a emissão já foi capturada da atmosfera durante o plantio. "Esse é o grande ativo dos combustíveis renováveis, com o etanol sendo utilizado em grande escala no Brasil", diz Felipe Barcellos e Silva, pesquisador do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA).

Atenção ao meio ambiente

Mas a promessa de uma energia mais verde esbarra na preocupação de ambientalistas e pesquisadores: a demanda por milho pode fomentar uma corrida pelo aumento das áreas cultiváveis, pressionando populações e áreas ambientalmente sensíveis – principalmente no Centro-Oeste, como em Mato Grosso e Goiás.

"Estudos científicos indicam que o Cerrado já se tornou mais seco e quente em função da conversão em grande escala para pastagens e cultivo de grãos. Adicionalmente, há os impactos do aquecimento global. O último atlas de irrigação da Agência Nacional de Águas já mostra anomalias de precipitação na região na última década e a previsão do aumento de demanda de água para irrigação", afirma Mercedes Bustamante.

"O agravamento de períodos secos e queimadas afeta a saúde. Adicionalmente, populações de comunidades tradicionais são particularmente afetadas pela perda de seus territórios e meios de vida com o avanço da agricultura industrial sem as salvaguardas adequadas", completa a pesquisadora.

Para Felipe Barcellos e Silva, do IEMA, o fomento ao etanol de milho é uma iniciativa interessante, mas com impactos ambientais. Por isso, é necessário que o poder público trace limites para que o aumento da demanda não amplie confrontos e impactos negativos no campo no longo prazo.

"A produção extensiva e sem nenhuma salvaguarda socioambiental de monocultura para a produção de biocombustível causa preocupação. A gente já percebe problemas importantes no Brasil em relação à produção de commodities, não necessariamente para a produção de biocombustíveis, mas para a exportação, principalmente a soja, e, agora, também o milho", diz.

A solução para o especialista poderia ser oficializar áreas de exclusão, como locais importantes para a biodiversidade e áreas de produção agrícola destinada à alimentação humana, onde não será permitido a exploração comercial de commodities, mesmo que para biocombustíveis.

"O que precisa ser feito é pensar exatamente quais áreas podem ser utilizadas. Uma área que não esteja com estresse hídrico, que não tenha pressão pela terra ou conflitos, ou seja, uma área que não seja próxima a territórios protegidos, e também o consumo mínimo de insumos agrícolas, como os agrotóxicos", afirma.

Já para o representante do setor, o fato de o milho ser plantado na segunda safra, em revezamento com a soja, faz com que o impacto seja mitigado, dado que não é necessário novas terras para o plantio, que acaba sendo utilizado como adubo natural para outras culturas.

"Você não terá uma mudança drástica no plantio, diferente do resto do mundo. A palha do milho ajuda a cultura da soja. Ela mantém a umidade do solo, protege do sol na seca, faz um controle biológico de nematóides – vermes microscópicos que parasitam plantas cultivadas – e resguarda o solo com todas as características para o plantio direto", afirma Guilherme Nolasco. "O Brasil tem o poder de influenciar as duas grandes pautas mundiais: segurança alimentar e transição energética através do seu modelo de produção, sem necessidade de desmatar e avançar sobre novas áreas intactas", conclui.