Gravações de conversas entre o diretor de administração da Fundação Nacional do Índio (Funai), Francisco José Nunes Ferreira, e um funcionário da área de tecnologia indicam a tentativa de favorecer empresas em contratos com o órgão. Nos áudios, gravados entre setembro e outubro de 2017 e obtidos pelo jornal O Estado de S. Paulo, Ferreira pede ao então coordenador de tecnologia da informação, Bruno Rebello, que direcione compras da Funai de produtos de determinadas empresas na área de informática.

A denúncia foi levada por Rebello, autor das gravações, ao Tribunal de Contas da União (TCU), onde o processo corre em sigilo. O caso também foi relatado por ele ao presidente da Funai à época – Franklimberg Ribeiro de Freitas, que deixou o cargo em abril. Rebello foi exonerado da coordenação de TI em 26 de abril. Ferreira nega as acusações.

Nas conversas gravadas pelo coordenador, o diretor da Funai liga os pedidos para favorecer empresas a parlamentares que, segundo ele, teriam relação com o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, e com o presidente do MDB, o senador Romero Jucá (RR). Ferreira menciona ainda o líder do governo no Congresso, deputado André Moura (PSC-SE). E diz em um dos diálogos que Moura atuava para que ele permanecesse no cargo de presidente substituto da estatal, o que lhe garantia poder quando Franklimberg estivesse ausente.

Procurado pela reportagem, Moura confirmou o pedido.

Em outro diálogo, Ferreira fala em atendimento a um “grupo” do Congresso e pede a Rebello que compre um equipamento no valor de R$ 1,58 milhão. “Deve ser esse aí, precisa ver na área técnica. Sei que é esse produto aqui, R$ 1,58 (milhão) que eles falaram”, afirma Ferreira. O coordenador afirma que havia outros processos de compra de produtos em andamento no setor, mas o diretor ignora a informação e pede que Rebello anote tudo que seria comprado, porque havia um prazo para “arrumar a casa” e fazer as aquisições.

“Resolve isso aí pra mim. Sabe por quê? Eles… A gente tem que afinar com esses caras (políticos), porque a gente não vai ficar muito tempo aqui não”, afirma Ferreira na gravação.

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Na conversa, o diretor ainda sugere a Rebello que estava sendo pressionado a trocá-lo, mas afirma estar convencido de que o coordenador trabalharia para “o grupo”. “Me deram um currículo pro teu lugar. Eu falei, ‘Não… O cara lá é bom. O rapaz lá é bom’. Ele (parlamentar não identificado) disse, ‘Deixa eu ver se ele trabalha com a gente mesmo’. Eu disse, ‘Trabalha, tem nenhum problema não. O general (Franklimberg) é que ficou jogando intriguinha entre mim e os coordenadores, mas a turma toda é meu amigo'”, diz Ferreira.

Na sequência, o diretor da Funai fala que recebeu um pedido para liberação de R$ 338 mil para instalação de uma “fábrica de software” que funcionaria no Ministério da Justiça. Quando Rebello diz que não acredita que o projeto seja uma boa ideia, Francisco pede para ele “ir junto com a gente, que vai se dar bem”.

Pressão

Em outra conversa gravada, no dia 21 de setembro, Ferreira cobrou a conclusão das transações e disse que a pressão dos parlamentares era crescente para que os contratos fossem fechados logo. Em um outro diálogo, Rebello demonstra preocupação com a falta de recursos da Funai para bancar as compras. O diretor, porém, diz que está tudo previamente acertado com Jucá. “Então é só ele (presidente da Funai) assinar e o Jucá libera o recurso?”, questiona Rebello. “Libera, pode ficar tranquilo. Isso aí tá tudo organizadinho”, responde Ferreira.

O diretor, em uma das conversas, insiste que a área faça adesão a uma ata de preços para compra de “canetas digitalizadoras”, sem que existisse demanda. O objetivo era aumentar a quantidade de produtos da ata, beneficiando a empresa fornecedora. Ferreira afirmou que se tratava do pedido de um parlamentar ligado a Padilha.

Rebello afirma que as canetas digitais não se enquadram como produtos de tecnologia da informação, e sim na categoria de itens comuns. Ferreira, então, insiste que ele faça a adesão à ata, mesmo admitindo não ter ideia para que o produto seria utilizado. Segundo o diretor da Funai, as 100 unidades a mais das canetas solicitadas por ele custariam R$ 780 mil à instituição. A compra acabou não se efetivando.

‘Revanchismo’

O diretor de administração da Funai, Francisco José Nunes Ferreira, disse que “não acolhe indicações políticas”. Ferreira classificou como “infundadas” as acusações, motivadas, segundo ele, por “revanchismo”. “Trata-se de servidor (Bruno Rebello) insubordinado, que tentou à revelia da diretoria concretizar diversas dispensas de licitações ou contratações emergenciais, sem obter êxito em suas empreitadas, por negativa deste diretor”, afirmou Ferreira. Bruno Rebello confirmou o teor das acusações, além de sua decisão de gravar as conversas e levar as denúncias ao TCU e à Funai.

O ex-presidente da Funai Franklimberg Ribeiro de Freitas declarou que, ao tomar conhecimento das acusações, enviou as informações à corregedoria da fundação, onde o caso se encontra “sob análise”.

O novo presidente da Funai, Wallace Bastos, afirmou que, “após consulta à corregedoria, verificou que não há denúncia formal que faça referência específica aos fatos narrados”, mas que “providenciará, com urgência, cópia das gravações junto ao Tribunal de Contas da União e que as medidas pertinentes serão tomadas, caso comprovada veracidade dos relatos.”

Procedimento


O ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, disse que não conhece o diretor da Funai e que “desautoriza qualquer uso indevido de seu nome”. “O ministro está solicitando ao ministro da Justiça que instaure procedimento próprio para apurar as responsabilidades decorrentes do caso”, informou a Casa Civil.

O senador Romero Jucá negou que “tenha tratado sobre este assunto com qualquer pessoa da Funai e não autoriza a falar em seu nome”. O deputado André Moura confirmou que procurou o então presidente da Funai, Franklimberg Ribeiro de Freitas. Segundo Moura, seu pedido foi feito para atender a parlamentares da base ruralista. De acordo com o parlamentar, seu pedido foi atendido.

“Dias depois o general me ligou, disse que não tinha problema nenhum e que manteria ele lá. Só fiz o pedido para rever isso. A decisão foi do presidente da Funai”, afirmou Moura. “Essa é a minha função de líder. De fato, falei com ele, porque havia um pedido da bancada ruralista para isso.”

Moura não quis mencionar quais deputados da bancada ruralista pediram que a decisão de Franklimberg fosse revista. “Falei com vários ruralistas”, afirmou o deputado. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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