Áudios inéditos sobre a tentativa de golpe que aconteceu em 8 de janeiro de 2023 mostram os bastidores de uma trama que tentou derrubar o governo eleito democraticamente. Os arquivos foram tirados dos celulares e dos computadores a partir de apreensões e quebras de sigilo e foram divulgados pelo programa Fantástico, da TV Globo, neste domingo, dia 23.
Alguns áudios foram enviados pelo tenente-coronel Guilherme Marques de Almeida, então lotado no COTER (Comando de Operações Terrestres do Exército): “A gente não sai das quatro linhas. Vai ter uma hora que a gente vai ter que sair. Ou então eles vão continuar dominando a gente”, disse a um interlocutor que não foi identificado.
“Eu acho que o pessoal poderia fazer essa descida aí, né? E ir atravancando mesmo. Porque, pô, a massa humana chegando lá, não tem PM [Policial Militar] que segure. P****, vai atropelar a grade e vai invadir. Depois, não tira mais”, seguiu.
O interlocutor desconhecido afirmou na conversa: “Tá com medo de ficar pra história, de dizer que fomentou um golpe? É a hora da gente, cara”.
Em outro áudio, Almeida diz: “Se tu tiver alguma possibilidade de influenciar alguém dos movimentos, eu tô tentando plantar isso nas redes, onde eles estão. Tô participando de vários grupos civis”. A ideia era usar os grupos de civis que estavam acampados como massa de manobra para conseguir o que eles queriam.
Muitos manifestantes mandavam mensagem diretas para os militares. Um deles, chegou a pedir a liberação de entrada de uma barraca.
“Não adianta protestar na frente do QG do Exército. Tem que ir pro Congresso. E as Forças Armadas vão agir por iniciativa de algum Poder. Porque, assim, todo mundo quer Forças Armadas por quê? Quer um mecanismo de pressão chamado arma. Para apaziguar, a gente resolve destituir, invalidar a eleição. Colocar voto impresso e fazer uma nova eleição. Com ou sem Bolsonaro”, seguiu.
Em outro áudio, enviado pelo general Mario Fernandes, ele diz “Kid preto, o decreto é real. Foi despachado ontem com o presidente. É. (Risos)”.
Uma mensagem enviada por um caminhoneiro envolvido nos protestos ao general Fernandes questiona até quando eles deveriam permanecer no local fazendo as manifestações. Além disso, foi solicitada a ajuda do ex-presidente Jair Bolsonaro para que as pessoas que estavam protestando fossem beneficiadas.
Em áudio enviado pelo general Mario Fernandes para o tenente-coronel Mauro Cid, ele diz: “Parece que existe um mandado de busca e apreensão do TSE ou do Supremo, em relação aos caminhões que tão lá. Já andou havendo prisão realizada ali, pela Polícia Federal. Se o presidente pudesse dar um input ali pro Ministério da Justiça, pra segurar a PF. Eu tô tentando agir diretamente junto às Forças, mas pô, se tu pudesse pedir pro presidente ou pro gabinete do presidente atuar. Pô, a gente tem procurado orientar tanto o pessoal do agro, como os caminhoneiros que estão lá em frente”.
Em outra mensagem, Fernandes fala com o general Braga Netto: “Então, p****, se o senhor puder intervir junto ao presidente, falar com o ministro Anderson, p****. Segurar a PF, p****, pra esse cumprimento de ordem. Ou com o Comandante do Exército, pra gente segurar, pô, proteger esses caras ali”.
Mauro Cid também mando mensagens falando sobre o assunto: “A gente tá recebendo cara de TI, hacker. Eu não bebo cerveja, mas depois, eu te conto as coisas que a gente já fez aqui. A gente tem cara infiltrado em tudo quanto é lugar. Monitorando e passando pra gente as informações. Refutando ou ajudando a instigar, digamos assim. Matemático, estatístico, PHD. Aquelas denúncias sigilosas: vai encontrar o cara no mercadinho, vai encontrar o cara na garagem, o cara passa um pen drive. Tem de tudo, cara. Mas ninguém ainda chegou com uma coisa que consiga abrir uma investigação”.
O coronel George Hobert Oliveira Lisboa também mandou áudios confabulando sobre o golpe: “Tá ficando muito claro que o Alto Comando, e não é o Exército, é o Alto Comando do Exército, ele tá se fechando em copas. Talvez, com uma maioria contra a decisão do presidente. Mas, pensando, em primeiro lugar, na instituição. Pensando, em primeiro lugar, no próprio Exército. Quando deveria estar pensando, em primeiro lugar, no Brasil. Eu sei quanto o senhor está comprometido com essas ações. O risco que todos nós estamos correndo, participando dessa frente”.
A PF apreendeu 1,2 mil equipamentos eletrônicos dos envolvidos na tentativa de golpe de estado e tirou 255 milhões de mensagens de áudio e vídeo. Os peritos federais elaboraram 1.214 laudos que, de acordo com a investigação, revelam quem foram as pessoas que participaram da tentativa de golpe.
Para os investigadores, os áudios mostram que integrantes do alto escalão do governo do ex-presidente agiram para pressionar os comandantes militares a aderirem à ruptura institucional.
Mauro Cid falou também aos envolvidos que Bolsonaro teria editado a minuta do decreto golpista para ganhar apoio dos militares. O documento estaria autorizando o cancelamento das eleições e daria sustentação jurídica ao golpe. “Ele entende as consequências do que pode acontecer. Hoje, ele mexeu naquele decreto, ele reduziu bastante, fez algo muito mais direto, objetivo e curto”, disse.
Mas a demora de Bolsonaro mexeu com os ânimos. O golpe, de acordo com os áudios, só não teria acontecido por uma falta de coordenação entre os próprios envolvidos na trama. “Deu ruim, tá? Acabei de falar com o nosso amigo lá, ele falou que não vai rolar nada. O Alto Comando não vai topar. A Marinha topa, mas só se tiver outra Força com ela, porque ela não aguenta a porrada que vai tomar sozinha”, disse o tenente-coronel Sérgio Cavaliere para o coronel Gustavo Gomes.
Em áudio enviado pelo coronel Bernardo Corrêa Netto para o coronel Fabrício Bastos ele diz: “Ele falou: ó cara, pode esquecer, o decreto não vai sair, presidente não vai fazer, só faria se tivesse apoio das Forças Armadas, porque ele tá com medo de ser preso. Falei com ele, agora de manhã”.
A defesa do general Mario Fernandes disse que ainda não teve acesso completo ao conteúdo resultante das quebras de sigilo e que a denúncia apresenta apenas trechos desconexos. Além disso, afirmou que ele prestou relevantes serviços ao Brasil e que demonstrará a sua inocência.
A defesa do tenente-coronel Mauro Cid disse que não vai se manifestar. O programa não conseguiu contato com a defesa dos demais citados.