A atriz Christiana Guinle, 57 anos, se assumiu “genderfluid” (gênero fluido ou queer). A atriz, que está fora das novelas desde sua participação em “Boogie Oogie” (TV Globo, 2014), abriu o jogo sobre a sua identidade de gênero.

O tema está presente no espetáculo “Gênero: Livre”, escrito por Pedro Henrique Lopes e direção de Ernesto Piccolo, com inspiração em alguns episódios de sua vida, para debater desde os preconceitos arraigados no nosso dia a dia às discussões sobre liberdade em um mundo pós-gênero.

“Para mim, gênero não é algo que parece ou deva ser fixo. E nem acho que um dia será, pois sempre pode haver alguma fluidez. Gosto muito disso, porque na minha cabeça, não preciso me rotular como isso, ou aquilo. Sou o que eu quiser ser, quem manda no meu corpo sou eu!”, disse ela. 

Gênero fluído

O termo “genderfluid”, ou “gênero fluído”, como vem se tornando conhecido no Brasil, está relacionado a uma identidade de gênero marcada pela capacidade de fluir e não se limitar por permanências, e pode ou não ter relação com orientação sexual. Uma pessoa “genderfluid” pode, a qualquer momento, identificar-se como homem, mulher, neutra ou qualquer outra identidade não binária, ou alguma combinação de identidades. Seu gênero também pode variar de forma aleatória ou em resposta a diferentes circunstâncias.

Artistas internacionais como Maisie Williams, popular por viver Arya Stark na série de televisão “Game of Thrones”; Emma Corrin, intérprete da Princesa Diana em “The Crown”; Ruby Rose, atriz que interpretou a “Batwoman” na série de TV; e Erika Linder, modelo e atriz sueca que ganhou notoriedade por modelar roupas masculinas e femininas, são alguns dos mais conhecido exemplos de celebridades assumidamente “genderfluid”. No Brasil, Christiana Guinle, que começou sua carreira aos 13 anos de idade e coleciona papéis memoráveis em novelas e minisséries da TV Globo como “Lado a Lado”, “Ti ti ti”, “JK”, “Um Só Coração”, “A Casa das Sete Mulheres”, “Chiquinha Gonzaga”, e outros, é a primeira artista a levantar publicamente à bandeira. 

“Nós somos minoria. Em pleno século 21, e por 13 anos no topo da lista, o Brasil continua sendo o país que mais mata travestis no mundo. Quando foi que nos tornamos tão moralistas assim? Precisamos neste momento, lutar e falar mais sobre isso, para que as pessoas não sofram perseguições. Eu descobri quem eu sou. Não quero ter que viver numa prisão, com medo de me expor. Sou gênero fluído e com muito orgulho. E estou preparada para o que vier pela frente, seja uma coisa muito boa ou não. Continuo atriz, e nada me impede de fazer um papel, isso vai depender mais do preconceito que os diretores e/ou produtores possam vir a ter, do que meu talento e capacidade de interpretar em si”, pontuou Christiana explicando o porquê da sua decisão de falar sobre o assunto agora. 

“As fronteiras entre o feminino e o masculino, podemos dizer, praticamente não existem. Somos, antes de tudo, indivíduos e únicos. Por tudo isso, essa discussão de gênero é de total importância. Talvez muita gente não saiba, mas existem pessoas que não têm seu gênero definido ao nascimento. São pessoas no mundo todo e de repente até aí do seu lado, ou mesmo dentro de você, que, independentemente de sua sexualidade, não se identificam com o corpo que lhe foi ofertado pela natureza e sofrem. É um assunto que pode parecer um pouco complexo hoje, mas que num futuro, espero que breve, será mais fácil de compreender”, acrescentou. 

Christiana Guinle. Imagem/Divulgação.

Sobre o Espetáculo

 “Gênero: Livre” estreia sua terceira temporada na Cidade das Artes, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro, aos sábados e domingos, de 16 a 31 de março. O espetáculo reúne biografias, reportagens, músicas e relatos pessoais da atriz e da equipe criativa para refletir sobre as identidades de gênero além das definições binárias de masculino e feminino.

O monólogo, além de passear pela trajetória de Christiana Guinle, resgata também personagens importantes no debate da fluidez de gênero: Thomas Baty (1869-1954), umas das primeiras pessoas documentadas como ‘não-binárie’; a atriz Rogéria, com quem Christiana trabalhou e de quem se tornou amiga; Kaká Di Polly, ícone drag dos anos 1980 e 90; a modelo trans Roberta Close; e muitas outras pessoas que contribuíram para a (des)construção social brasileira de gênero. Todos eles estão em cena através das falas e da vivência da Christiana.  

Preconceito e autoconhecimento

A atriz, que atualmente está trabalhando no projeto “Gênero Livre”, monólogo teatral baseado em sua história, conta que, apesar de ter tomado conhecimento do termo há pouco tempo, se identifica dessa forma desde os 15 anos de idade.

“Eu me considerava apenas lésbica. Não sabia o que era ser fluída, o termo ainda era pouco popular. E como lésbica sofri com algumas atitudes, em especial da minha mãe que não conseguia suportar a ideia de ter uma filha ‘sapatão’. Na sociedade desconfiavam da minha sexualidade, mas eu não me assumia por medo de ser julgada e até perder meu emprego como atriz. Havia muito preconceito e até meu agente pedia para eu ser muito discreta”, relembra a atriz, afirmando que este preconceito ainda é muito forte no meio artístico, mesmo que se diga o contrário hoje. 

Sobre a atriz

Christiana Guinle mostrou interesse pelas artes desde criança e, embora tenha talento para fotografia, design, canto e para o saxofone, foi na carreira de atriz que investiu e à qual se dedicou. Desde que foi graduada pela Royal Shakespeare Company, na Inglaterra – onde, aos 15 anos, obteve bolsa de estudos -, a atriz não parou de interpretar.

No Brasil e no exterior, atuou em importantes obras, como a “Odisséia de Homero”, que lhe rendeu o Prêmio Mambembe de melhor atriz ; “O inferno São os Outros”, pelo qual foi indicada ao Prêmio Molière de melhor atriz; “O anjo negro”, de Nelson Rodrigues, pelo qual ganhou o APCA como melhor atriz; e “God”, de Woody Allen, como atriz e produtora, além de “A Dama do Mar”, de Henrik Ibsen, produção internacionalmente elogiada, com destaque por seu trabalho não só como atriz, mas também na produção da peça: a estrutura foi erguida no Píer Mauá, e entrava em cena um navio de verdade.