Atores indicados ao Oscar falam sobre ‘O Brutalista’, que chega ao Brasil esta semana

Filme intenso e complexo chega aos cinemas de todo o País nesta quinta-feira, dia 20

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Felicity Jones e Guy Pearce falam com exclusividade à Istoé sobre seus personagens no filme 'O Brutalista' Foto: Divulgação

Um dos favoritos ao Oscar 2025, o longa O Brutalista está concorrendo em 10 categorias da premiação e desponta como uma das principais apostas para ganhar o prêmio de Melhor Filme. A obra dirigida por Brady Corbet chega aos cinemas do Brasil nesta quinta-feira, dia 20, e terá um intervalo de 15 minutos entre as duas partes do filme.

A trama acompanha a trajetória do arquiteto húngaro László Toth, personagem fictício interpretado por Adrien Brody. Ele chega aos Estados Unidos em busca do sonho americano e quer reconstruir sua vida, deixando o passado para trás. Lá, ele reencontra a esposa Erzsébet, interpretada por Felicity Jones, que está bem diferente de como ele se lembrava. Os dois foram obrigados a se separar por conta do Holocausto, mas voltam a se ver depois de ambos sobreviverem aos horrores da guerra.

Nos Estados Unidos, o protagonista conhece o proeminente industrialista Harrison Van Buren, interpretado por Guy Pearce, que admira seu trabalho como arquiteto e o contrata para criar um instituto. No entanto, o chefe do protagonista está em busca de um controle grandioso sobre a vida do personagem, o que gera situações de conflito e mostra a relação de poder que Van Buren tem sobre László.

Com personagens complexos e cheios de nuances, o filme trata da arquitetura brutalista da mesma forma que fala sobre as relações humanas e como elas são construídas. Além disso, o tempo que a construção leva para ficar pronta é mesmo que os personagens levam para serem honestos com eles mesmos. 

Em entrevistas exclusivas à Istoé, os atores Guy Pearce e Felicity Jones, indicados a melhor ator coadjuvante e melhor atriz coadjuvante no Oscar deste ano, afirmam que seus personagens, por mais que sejam muito diferentes e polarizados, também são similares em alguns aspectos.

“Naquela primeira cena do jantar, tem um certo ‘encontro das mentes’ de alguma forma. Eu acho que tanto Erzsébet quanto Van Buren tem uma grande inteligência, eu acho que os dois são pragmáticos, os dois são capazes de ‘jogar o jogo’ de certa forma, mas eles têm diferentes fins. Van Buren usa o mal e Erzsébet usa o bem”, diz Felicity Jones. 

A atriz também recorda uma das cenas mais difíceis de serem feitas durante as gravações do filme, em que sua personagem precisa confrontar o personagem de Pearce sobre algo deplorável que ele fez com seu marido. De acordo com ela, a cena foi feita de maneira muito profissional, com tudo coreografado para que nada saísse do controle. No entanto, ela explica como a cena foi desafiadora emocionalmente, visto que sua atuação precisava transparecer a raiva que sua personagem estava sentindo acumulada durante tantos anos.

“É tão raro. Na vida, nós não temos esses momentos de liberação e existe quase que um pouquinho de fantasia naquela cena, que ela consegue dizer tudo o que ela queria dizer. Mas é claro que os objetivos eram grandes em volta daquela cena”, explica. 

“Desde o momento em que eu li o roteiro eu sabia que ‘nossa, isso vai ser desafiador. Como fazer isso?’. Mas, rapidamente, se tornou algo sobre a coreografia, porque nós estávamos fazendo tudo de uma vez quando vai da Erzsébet para o personagem do Joe Alwyn e tem aquela horrível interação física. Precisava ser cuidadosamente coreografada para que você se apoiasse nisso para navegar a cena. Nós éramos como atletas naquela cena, sabe? Estávamos tão prontos e, no final das contas, você só quer fazer um trabalho muito bom. Você só quer fazer e fazer bem. O roteiro é tão bom que você quer construir em cima disso”, conta a atriz.

Sobre a mesma cena, que já virou uma das mais comentadas sobre o filme, Guy Pearce dá os créditos à brilhante atuação da colega. “Essa cena foi muito difícil, especialmente para a Felicity. Foi tudo filmado de uma vez e a cena tem uns cinco minutos e meio. Então, tudo foi muito técnico. Não tanto para mim, porque eu só estava sentado em um local e depois eu estava fora. Mas para a Felicity foi realmente um trabalho emocionante e ela estava lidando com o enquadramento das andadas, mas foi tão bem escrito. Eu amo a Felicity. Eu acho que ela é uma grande atriz. Ela tem tanto poder nela”, comenta.

“A relação [de Erzsébet, László e Van Buren] é, desde o começo, quase como um triângulo amoroso, em que eu estou provocando ela e ela está me provocando. Eu acho que ela pode me ler logo de cara e ela, finalmente, me confronta sobre uma coisa horrível que eu fiz. E a força da honestidade dela me desfaz completamente. As pessoas falam ‘onde ele foi? O que aconteceu?’ e eu falo que eu nunca tomei uma decisão sobre onde eu acho que ele foi. Eu tenho algumas opções na minha mente sobre onde ele deve ter ido, mas eu brinco e falo que ele foi para anos de terapia, mas a gente não sabe o que aconteceu com ele e isso é o que é ótimo no filme. Essa pessoa que é tão presente, então some. A cena foi muito empolgante de ler e, certamente, uma cena empolgante de filmar também”, conta Pearce.

Felicity concorda sobre essa fortaleza que sua personagem é. Até não muito tempo atrás, os personagens de esposas de protagonistas seriam reduzidos nos roteiros. No entanto, neste filme, Erzsébet não só é retratada de forma complexa, interessante e intensa, como também é peça fundamental para entendermos quem László é. O impacto dela na vida dele é visível desde o começo.

“Ela é bastante destemida e ela está lutando contra toda essa hierarquia de que a riqueza te dá poder sobre a mente, a alma e o corpo das pessoas. Ela está enfrentando isso. Ela busca o fim de uma hierarquia entre os ricos e os pobres. Ela tem um impacto tão pontual e é tão essencial para a alma dessa história”, diz a atriz.

O mesmo acontece com o personagem de Pearce, que poderia ser reduzido a um arquétipo maniqueísta, mas que é tratado de maneira humana, fazendo com que o público chegue até a sentir empatia por ele em alguns momentos da narrativa. Para o ator, dar vida a Van Buren foi “fantástico”.

“Eu também sou uma pessoa meio temperamental. Em um dia eu me sinto vulnerável, com compaixão e meio carente e no outro eu me sinto muito bravo, intolerante e eu não tenho paciência com ninguém. Eu tenho tanta consciência de como meu temperamento muda e essa natureza contraditória do ser humano é maravilhosa e é ótimo ser capaz de encenar isso”, diz. 

De acordo com ele, um personagem assim faz com que o público se sinta desafiado a pensar. “A coisa óbvia de se falar é como eu entro no filme com um temperamento muito ruim, muito explosivo e apenas horrível. E, na segunda cena, eu estou completamente admirado com o personagem do Adrien. Então, eu acho que você, como público, meio que fala ‘eu não sei o que eu vou receber desse cara, porque ele nos enerva um pouco’. Então, essa complexidade e essa natureza contraditória de em um minuto ele está de um jeito e no outro minuto ele está de outro jeito foi muito fantástica de interpretar”, explica.

Deste modo, o personagem de Pearce, por si só, mostra a complexidade do roteiro de O Brutalista e a qualidade da interpretação do ator. Van Buren vive uma vida falsa, com uma “fachada” de bom moço. Mas, ao mesmo tempo, ele tem momentos em que realmente cativa a empatia da audiência. “Ele é um tipo de pessoa tão performática. Ele está apresentando esse ser humano confiante, poderoso, certo de si mesmo e bem-sucedido. Ele está meio que tentando identificar a si mesmo como essa imagem de sucesso, essa pessoa perfeita, esse homem altruísta e generoso”, explica o ator. 

“Mas, na realidade, ele é inseguro, ele não é certo sobre ele mesmo, ele é amargo e ele está tentando esconder isso, o que diz algo sobre o tempo, mas o que diz também algo sobre ser um homem. É difícil para qualquer um ser vulnerável, mas eu acho que é muito difícil para um homem ser vulnerável e ainda mais saber o que fazer com a vulnerabilidade”, pondera. 

Segundo ele, a relação de seu personagem com László mostra isso, mas tem um aspecto muito bonito. “László é muito sensível e ele sente que quer se abrir com ele. Ele meio que tem ele como um terapeuta de uma certa maneira. Mas, certamente, ele tem inveja, ele não quer mostrar essa vulnerabilidade, então é uma relação muito carregada muito rápido”, diz.

“Eu acho que ele não só tem inveja da arte de László, mas ele tem inveja do senso que László tem de si mesmo porque eu acho que isso é uma coisa que ele tem dificuldade. Ele está apresentando uma versão dele mesmo ao invés de realmente ter uma noção de si mesmo. Ele é meio ridículo às vezes. Ele é um homem ridículo. Então, ele é um ótimo personagem para interpretar”, explica o ator.

De uma forma geral, ele acredita que seu personagem seja realmente infeliz e a pior versão do que podemos ser como seres humanos. “Porque, essencialmente, ele é desonesto. Ele não consegue ser honesto com ele mesmo. Ele é bem-sucedido, como eu disse, ele tem negócios, ele está ganhando dinheiro, pessoas estão trabalhando pra ele e ele tem pessoas que têm medo dele. E eu acho que isso é uma qualidade perigosa, de só poder ser funcional se as pessoas têm medo de você”, afirma. 

“É um jeito podre de funcionar e é triste, é realmente triste. Então, ele é uma mistura complexa de coisas e o que é interessante é o jeito que ele desaparece no filme, ele é essencialmente reduzido a nada, mas ele está tentando deixar um legado, ele está tentando criar uma identidade, ele está tentando ser uma estrutura, uma estrutura arquitetônica e, no final, ele não é nada”, analisa Pearce.

Ao contrário de Erzsébet, que é essencialmente boa, que entende quem ela é e o que a dor fez dela, mas que também tem fragilidades e comete erros, como qualquer outra pessoa. No começo do filme ela é colocada como uma figura idealizada, mas quando ela finalmente aparece, ela é completamente humana, uma pessoa interessante, mas, ao mesmo tempo, falha. De acordo com Felicity, existe um momento específico em que o público do filme se identifica muito com a personagem.

“Tem algo incrível sobre quando você encontra a Erzsébet pela primeira vez: ela está se preocupando sobre a aparência do cabelo dela. [Acontece] quando ela encontra o marido dela, que ela não o vê por oito anos. E esse tipo de especificidade é o que eu mais gosto sobre o roteiro. Porque precisa de um nível de sofisticação por parte do escritor para escrever algo tão simples e tão real”, explica.

Afinal, ela também idealizou o marido por todo esse tempo em que estiveram separados. “Para Erzsébet, aquele relacionamento e amor fez ela sobreviver. Nós sabemos que Lászlo e Erzsébet ficaram em campos de concentração por causa da fé deles e parte dessa fé é o amor que eles têm um pelo outro. E esse amor foi o que os sustentou e os habilitaram para, fundamentalmente, escapar”, explica a atriz.

“Eu acho que, de alguma forma, é um tanto complexo quando eles se encontram pela primeira vez, porque eles se colocaram em um pedestal. Eles ficaram sonhando com essa pessoa. Erzsébet diz que ela teve visões. Ela ficou meditando nesse amor por ele por tanto tempo para conseguir passar pelas experiências dela e, agora que eles se encontram, ela é confrontada pela realidade de uma pessoa. Então tem uma coisa que eles são quase que educados demais um com o outro. Tem uma estranheza enraizada que é interessante explorar quando eles se encontram pela primeira vez”, conta.

Pearce também destaca o roteiro do filme como algo brilhante e que fez com que ele entendesse o seu personagem desde o começo. “Como Felicity estava dizendo outro dia, ela nunca tinha trabalhado em nenhuma coisa em que o filme finalizado e o roteiro fossem tão semelhantes. Eu pensei que era muito claro para mim quem esse personagem era desde o começo. Porque Brady [Corbet] e Mona [Fastvold] estão interessados no comportamento humano e interação humana”, diz. 

“Precisa de um personagem bem realizado, um personagem totalmente formado e tridimensional aqui e um outro personagem totalmente formado e tridimensional ali para realmente dar um bom senso do que aquela dinâmica vai ser. E eles são realmente muito bons em escrever esses personagens brilhantes, então foi como ler um ótimo romance em que eu meio que conhecia essa pessoa e eu conhecia todo mundo. E, obviamente, eu aprendi mais sobre ele conforme eu lia o roteiro. Eu certamente senti que eu podia ver quem ele era quando eu li o roteiro pela primeira vez. E, é claro que eu não podia apenas vê-lo como podia sentir que eu poderia interpretá-lo”, completa.

Isso, segundo ele, fez com que a experiência fosse ótima desde o começo. De acordo com o ator, uma situação assim na indústria é rara. “Realmente ficou melhor e melhor, porque no momento em que vimos o filme em Veneza, e eu ouvi aquela música e o design de som, e a performance do Adrien [Brody] e o design de produção… eu realmente estou no chão por esse filme, eu acho que é muito especial e é uma honra ser parte dele. E eu sabia que ia ser incrível desde o começo. Eu sempre tenho esse sentimento de que se uma coisa parece boa no começo, nem sempre ela se revela boa no final, mas neste caso só ficou melhor e melhor”, finaliza.