O Comitê Olímpico Internacional (COI) se pronunciou em defesa das boxeadoras Imane Khelif, da Argélia, e Lin Yu-ting, de Taiwan. As duas atletas competem na categoria feminina da modalidade, mas tiveram sua identidade de gênero questionada após acusações, feitas nas redes sociais, de que elas eram mulheres trans.

Em 2021, o órgão lançou uma cartilha para “promover a igualdade de gênero e inclusão”. Trata-se do Marco sobre Justiça, Inclusão e Não Discriminação com Base na Identidade de Gênero e Variações Sexuais, que determina diretrizes sobre questões de gênero e inclusão nos esportes olímpicos. O texto foi elaborado em parceria com atletas, federações internacionais e especialistas em direitos humanos, além de médicos especialistas no tema.

Entre outras determinações, o comitê afirma que cabe à confederação de cada modalidade definir as regras sobre à elegibilidade de pessoas transexuais e intersexuais para os Jogos Olímpicos. O COI afirma ainda que o atleta tem direito de contestar a decisão na Corte Arbitral do Esporte (CAS).

Intersexo são pessoas que nasceram com características que não se enquadram nas normas médicas para corpos do sexo feminino ou masculino (cromossomos, órgãos genitais, hormônios). Transgênero são aqueles que não se identificam com o gênero designado ao nascer, baseado no sexo biológico (masculino ou feminino).

No caso do boxe, vale a determinação do comitê, organizador do evento, que é regra a do passaporte. “Todas as que competem na categoria feminina o fazem cumprindo as regras de elegibilidade da competição”, afirmou o porta-voz do COI, Mark Adam. “São mulheres em seus passaportes e está estabelecido que são mulheres”, enfatizou.

No caso ainda mais específico de Kheli, a IBA tem regras mais rígidas, que impediriam atletas com cromossomos XY de competir em eventos femininos. A taiwanesa Lin Yu-ting, que estreia nesta sexta na categoria até 57kg, também foi desclassificada sob a mesma alegação. Elas só estão na Olimpíada porque a entidade foi suspensa pelo COI.

Segundo as diretrizes, “os atletas devem ter permissão para competir na categoria que melhor se alinhe com sua identidade de gênero autodeterminada”, desde que atendam aos critérios de elegibilidade estabelecidos. Apenas dois atletas transgênero se classificaram para competir na Olimpíada de Paris-2024: Nikki Hiltz, no atletismo, e Quinn, no futebol canadense.

A parte mais importante do texto fala sobre a “não presunção de vantagem”: “nenhum atleta deve ser impedido de competir ou excluído da competição exclusivamente com base em uma vantagem competitiva injusta não verificada, alegada ou percebida devido a suas variações de sexo, aparência física e/ou status transgênero”.

A partir do documento, dezenas de federações passaram a adotar um critério objetivo: o nível de testosterona no sangue dos atletas. Mulheres trans tinham que reduzir a testosterona a um valor específico e mantê-la assim por 12 meses antes de competir. Mesmo assim, esse critério ainda não é consenso na comunidade científica.

ENTENDA A POLÊMICA SOBRE ATLETA REPROVADA EM TESTE DE GÊNERO

Na quinta-feira, Imane enfrentou a italiana Angela Carini na categoria até 66kg. No confronto, a esportista argelina venceu a adversária em 45 segundos. Após levar fortes golpes no nariz, a atleta europeia desistiu do combate e alegou não estar em condições físicas de competir.

Nas redes sociais, alguns espectadores relembraram que Imane Khelif foi desclassificada do Mundial de Boxe organizado pela Associação Internacional de Boxe (IBA), em 2023, por reprovar no “teste de gênero” aplicado pela IBA. Lin Yu-ting, que compete nesta sexta, também não foi reprovada no mesmo teste. Por mais que as duas atletas sempre tenham competido na categoria feminina, a presença de ambas na modalidade foi questionada.

O COI, no entanto, reafirmou a legitimidade da participação das atletas na competição e questionou a decisão da IBA e o teste aplicado nas boxeadoras. Em documento oficial, o órgão esportivo explicou que as regras aplicadas para os Jogos Olímpicos de Paris foram as mesmas utilizadas nas competições anteriores e nas classificatórias para as Olimpíadas, o que ratifica a participação da dupla na competição.

Além disso, o texto ainda relembrou que a IBA não é mais reconhecida como órgão competente pelo comitê desde 2023 e que, desde 2019, foi afastada da organização das competições de boxe ligadas às Olimpíadas por falhas recorrentes relacionadas à integridade e transparência na governança da associação, que chegou a ser acusada de manipulação de resultados e corrupção.