Ativistas trans se mobilizam por inclusão na COP30

Ativistas trans se mobilizam por inclusão na COP30

"InclusãoPor que incluir direitos de pessoas trans é um desafio no maior evento global de clima? E como o Brasil pode mudar esse cenário e expandir a agenda de gênero na Conferência do Clima em Belém?Jarê Aikyry é um indígena trans que participou de quatro Conferências do Clima promovidas pela Organização das Nações Unidas (ONU), as chamadas COPs. Nas últimas três — realizadas no Egito, nos Emirados Árabes Unidos e no Azerbaijão —, sentiu o desrespeito a corpos dissidentes de gênero em espaços de negociação climática. As cúpulas foram realizadas em países com legislações que criminalizam pessoas LGBTQ+.

Na COP28, em Dubai, nos Emirados Árabes, Aikyry — que é diretor executivo da ONG Engajamundo, a maior organização de juventude pelo clima no Brasil, e também é coordenador do Miriã Mahsã, coletivo de indígenas LGBTQ+ do Amazonas — foi expulso do banheiro masculino por um segurança da ONU.

Ele afirma que estava desconfortável de viajar a Dubai por conta do histórico do país, que chegou a prender pessoas trans pouco antes da COP28. Por isso, retificou seus documentos antes de embarcar, para evitar o constrangimento de ser chamado pelo "nome morto" — que é o registro civil antes da troca oficial nos documentos.

Em novembro, a sede da COP30 será o Brasil, que há 16 anos consecutivos lidera o ranking de países com mais mortes violentas de pessoas transgêneros, segundo dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra).

"As COPs são espaços solitários para pessoas trans", afirma Aikyry. "Existe um lugar de responsabilidade do Brasil, porque é o país que mais mata essa população. Inclusive, isso deveria ser feito dentro das agendas de gênero e clima, enquanto mecanismo de reparação do governo."

Pensando nisso, a comunidade trans tem se organizado dentro da agenda climática. "Queremos a inclusão do grupo LGTBQ+ como grupo de vulnerabilidade e que a comunidade seja citada dentro das agendas de clima", diz o ativista. Há muitos desafios para isso — a começar pela falta de consenso sobre gênero nas próprias negociações climáticas entre os Estados membros da ONU.

A questão não é trivial, já que ativistas apontam que essa população costuma ser excluída de abrigos e espaços de acolhimento em situações de emergência climática, como enchentes — ou até têm acesso a esses ambientes, embora inadequado, o que agrava sua situação de vulnerabilidade.

Eles apontam, ainda, que essa população já enfrenta exclusão social, como pobreza e dificuldade de acesso a serviços básicos, e que a crise climática as torna mais suscetíveis aos impactos negativos de desastres ambientais.

Trata-se, também, de garantir à comunidade LGBTQ+ um lugar digno à mesa das discussões climáticas, para que possam participar plenamente, sem constrangimentos, e ajudar na formulação de políticas públicas específicas.

Disputa de linguagem em textos oficiais

As COPs são espaços de negociação entre países, que aprovam textos em comum para, posteriormente, implementar políticas públicas nacionais de mitigação e adaptação climática. Há uma trilha de negociação de gênero, cujas divergências já começam na própria nomenclatura, o que reduz as possibilidades de aprovação de um texto que cite políticas específicas para a população LGBTQ+.

"A linguagem ainda é disputa lá dentro. Há países que não concordam com o termo 'gênero' e preferem falar em 'sexo'", afirma a ativista Helena Branco, que acompanha negociações de gênero nas COPs. Mas Branco reforça que o Brasil é respeitado dentro das negociações. "Com essa participação forte e competente, o Brasil tem todas as ferramentas para construir um consenso de gênero mais ambicioso nesta COP", avalia.

Ela também explica que a inclusão da população LGBTQ+ dentro das negociações é feita por meio de uma linguagem que abarca termos como "comunidades marginalizadas" ou "populações em situação de vulnerabilidade". "Mas países mais conservadores preferem não ter uma linguagem tão ampla para não dar muita margem à interpretação", completa.

Se Branco acredita que há espaço para inclusão de linguagem que mencione explicitamente grupos LGBTQ+? "Não, mas a resposta não é tão simples", aponta. Ela afirma que o desafio das COPs é encontrar consenso entre países com realidades tão distintas, e a barreira está na legislação interna de cada um.

”Isso é uma das dificuldades: você garantir uma linguagem que faça sentido legal em 198 países. E é por isso que os negociadores tentam encontrar uma linguagem que agrade todas as partes. Então é uma ambiguidade estratégica que precisa ser utilizada para entrar em consenso", explica.

A diplomata brasileira e negociadora de gênero Bruna Veríssimo diz que o governo brasileiro está pronto para apoiar e fazer os esforços necessários para citar a população LGBTQ+ nos textos — mas reconhece o desafio de buscar consenso entre nações distintas.

"Adotar essa perspectiva interseccional — e mesmo a palavra interseccionalidade é muito desafiadora do ponto de vista multilateral — já é um passo que permite o reconhecimento da comunidade LGBTQ+. Mas o Brasil está pronto para avançar nesses espaços", assegura Veríssimo.

Ações previstas para a COP30

Ativistas climáticos LGBTQ+ estão unidos para trazer esse debate à tona com mais força e, para a COP30, organizam um documento e uma marcha. Dentro da Constituinte de Gênero e Clima da ONU para Mudanças Climáticas, eles criaram um grupo de trabalho sobre a população LGBTQ+, composto por cerca de 50 ativistas do mundo todo que desejam avançar nas discussões sobre o tema.

No documento que será entregue às autoridades na COP, Aikyry — que integra grupo de trabalho específico sobre pessoas LGBTQ+ dentro da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima — afirma que haverão recomendações também a respeito do tratamento da comunidade LGBTQ+ dentro das agendas de negociação. "Não temos expectativa de que isso seja um avanço que aconteça nesta COP. É um trabalho de incidência que vai durar muitos anos, mas começa agora", avalia.

"O nosso objetivo é começar essa discussão dentro da conferência, porque ela sequer existe. A gente quer literalmente fazer o primeiro fórum, gerar essas primeiras recomendações, transformar isso em um documento, entregar o documento e, para além disso, fazer a marcha como um lembrete de que ainda estamos organizados", explica o ativista.

Ele afirma que na COP de Glasgow, em 2021, as pessoas trans ainda tinham a opção de colocar o nome social na credencial — algo que já não foi mais possível na conferência do ano seguinte, no Egito. O Azerbaijão, por sua vez, sede da COP29, é apontado como o país com a legislação menos protetiva à população LGBTQ+ na Europa, segundo dados da Associação Internacional de Gays e Lésbicas (ILGA).

Segundo Aykiri, as reivindicações do grupo de trabalho visam criar espaços mais seguros e inclusivos, do uso de banheiro ao nome social nas credenciais, para que "pessoas trans consigam acessar a conferência tendo seus direitos garantidos independente do país em que essa conferência vai acontecer".

Veríssimo afirma que o Brasil, na posição de presidência da COP, tem se esforçado para respeitar o Código de Conduta da ONU e zelar para que ele seja cumprido no evento. "Em todas as COPs anteriores, temos algum tipo de caso de assédio, então o que temos falado com outras delegações é para que não haja essa tolerância", informa.

Outro ponto que a delegação brasileira diz respeitar é a adoção do nome social nas credenciais. "São iniciativas que não resolvem o problema, porque ele é mais amplo, mas acreditamos que já são um avanço", explica a diplomata do Brasil.