As ativistas nicaraguenses Evelyn Pinto e Cinthia Samantha Padilla Jirón estão dispostas a perdoar repressores desde que seja feita “justiça”, porque “os crimes não podem ser varridos para debaixo do tapete”.

Pinto foi presa poucos dias antes de Padilla Jirón. “Para mim, ela foi a minha salvação da loucura”, declarou a jovem durante uma palestra organizada na sexta-feira pelo Diálogo Interamericano, um think tank em Washington.

Padilla Jirón passou 14 meses na prisão feminina de La Esperanza até ser expulsa da Nicarágua em um avião com destino aos Estados Unidos e ter sua nacionalidade privada em fevereiro de 2023. Ela foi levada junto com outros 221 presos, incluindo Pinto, que passou 15 meses reclusa.

Sem ver a luz do dia, sobreviveram da imaginação e da “resiliência”.

“Começamos a fazer jogos mentais, adivinhar filmes” para nos mantermos “ativas”, acrescenta. “Não focamos na dor, mas em ver o lado bom que poderíamos ter”, e esse tem sido o seu lema.

– “As Kardashian” –

“Até que chegou um momento em que vimos que íamos continuar naquela cela de isolamento e eu disse à Samantha: ‘No final de tudo, estamos em uma cela VIP e, olhando de perto, somos os Kardashians de La Esperanza porque desde que saímos, eles tiram fotos nossas”, brinca Pinto, em referência às estrelas dos reality shows americanos.

Apesar das feridas abertas, ambas têm certeza de que a reconciliação exige justiça para os envolvidos nas violações dos direitos humanos sob o regime de Daniel Ortega e sua esposa, a vice-presidente Rosario Murillo.

“Vou perdoá-los, mas eles têm que pagar pelos crimes que cometeram, têm que pagar pela tortura dos presos políticos, têm que pagar pela repressão ao povo da Nicarágua e por todos os danos que causaram”, declara Padilla Jirón.

Para ela, as pessoas que estiveram envolvidas em crimes que devem “passar por uma comissão de justiça e verdade” precisam ser julgadas e pagar porque os crimes “não podem ser varridos para debaixo do tapete novamente na Nicarágua”.

Sua ex-colega de cela garante que não guarda rancor de ninguém e até sente “um certo carinho” por alguns funcionários, muitos deles camponeses de zonas rurais remotas cuja única opção de trabalho é na prisão.

– “O agressor virou vítima” –

Pinto concorda que o processo de transição necessita de “políticas públicas que visem a justiça, a reparação, a não repetição, a aprendizagem”, mesmo que isto signifique ter que “apertar a mão do adversário”.

“Nos últimos meses o agressor virou vítima e para Ortega e Murillo os únicos indispensáveis são eles próprios”, afirma a jovem, para quem a reconciliação não é suficiente.

A ativista defende a convocação de “eleições transparentes e supervisionadas”, como pediram manifestantes contra o governo em 2018.

Embora não saiba quando isto será possível, diz ter uma certeza: “Não há futuro para ninguém com Ortega”.

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