Se existe uma entidade ambientalista que incomoda o governo federal hoje é o Greenpeace. Criado há quase 50 anos por um grupo para protestar contra os testes nucleares dos EUA na costa do Alasca, a instituição vem ganhando cada vez mais força no Brasil nos últimos anos diante da negligência e o descaso de Jair Bolsonaro com o meio ambiente. O desmonte da proteção ambiental no País tem motivado inúmeros protestos da organização. O governo tenta contornar as críticas sobre a condução das políticas e até colocou o vice-presidente Hamilton Mourão no comando das ações ambientais para dar maior visibilidade. Mesmo assim, não consegue reverter nem a devastação nem o estrago que o movimento vem fazendo em sua imagem, tanto no Brasil quanto no resto do mundo.

“É muito triste o que acontece com a Amazônia, Cerrado e Pantanal queimando”, diz Marcelo Laterman, porta-voz do Greenpeace Brasil. Segundo levantamento da entidade, só na primeira semana de outubro nesses três biomas houve um grande aumento no número de queimadas. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontam que entre 1 e 7 de outubro houve aumento de 772% nos focos de calor no Pantanal, 505% no Cerrado e 199% na Amazônia, em relação ao mesmo período do ano passado. Esse é o maior índice já registrado no período no Pantanal e no Cerrado, e o segundo maior na Amazônia desde 2010. No acumulado do ano, entre 1 de janeiro e 7 de outubro, a Amazônia, que na temporada de seca sofreu mais incêndios do que em 2019, teve 80 mil focos de calor — 18% maior do que no mesmo período do ano passado. No Pantanal, foram 19 mil focos nesse ano, ante 6 mil no ano passado, um aumento de 215%. Já o Cerrado, que até o final do mês de setembro se mantinha um pouco abaixo dos números do ano passado, viu uma explosão no número de focos na primeira semana de outubro e queimou 3% a mais do que em 2019, segundo o Greenpeace Brasil.

AMEAÇA Queimadas: avanço da pecuária afeta biomas na Amazônia, Cerrado e Pantanal (Crédito:Greenpeace / Rodrigo Baléia)

Diante de tanto descaso e do tamanho dos incêndios no Pantanal e outros biomas, o Greenpeace ergueu uma estátua de quatro metros de altura do presidente Jair Bolsonaro, como “Bolsonero” (numa alusão ao imperador Nero, que incendiou Roma), em plena área atingida pelas queimadas no Pantanal. Na mensagem escreveram “Pátria queimada, Brasil” para protestar contra a destruição de mais de 3,9 milhões de hectares do bioma, segundo dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) em parceria com o Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (LASA/UFRJ).

Para o Greenpeace, ações como essa servem para chamar a atenção para a destruição do patrimônio ambiental, apontando as causas e os responsáveis. “O Brasil está literalmente em chamas graças à política incendiária do atual governo, que segue tocando seu projeto de destruição”, disse a diretora de programas do Greenpeace Brasil, Tica Minamia. A burocracia gerou atraso no combate ao fogo e postergou ainda mais o envio de brigadistas para combater as queimadas. No ano com maior registro de fogo na Amazônia e no Pantanal, os fiscais do Ibama chegaram com quatro meses de defasagem, segundo o próprio Ministério do Meio Ambiente (MMA).

A demora do envio de servidores inviabilizou a proteção de territórios indígenas, entre outras consequências nefastas. Não faltaram avisos por parte dos órgãos ambientais do governo federal de que as condições climáticas de 2020 seriam particularmente severas. O Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo) do Ibama encaminhou o pedido para contratação de brigadistas, sem gastos extras, em janeiro. Em 15 de abril, o Ministério da Economia ainda analisava os contratos.

Demora na ação

AÇÃO CONTROVERSA Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente: controle do fogo com perigoso retardante químico (Crédito:Divulgação)

“A impressão é que o discurso de campanha está sendo posto em prática”, diz Laterman. Segundo ele, a redução de fiscalização já antecipava esse caos. “O Prevfogo indica que 98% dos incêndios são oriundos de ações humanas”. Para o representante do Greenpeace, a mobilização da sociedade civil é vital para elevar a conscientização e evitar o retrocesso. “Esse é o momento de resistir, mostrando ao mundo claramente o que está acontecendo no País.” O descaso brasileiro já provoca reações econômicas. A União Européia travou negociações para o acordo com o Mercosul.

Por 345 votos, o Parlamento Europeu decidiu não ratificar o acordo comercial entre os dois blocos e emitiu documento dizendo que o Brasil “vai contra os compromissos feitos no Acordo de Paris, particularmente no combate ao aquecimento global e na proteção da biodiversidade”. Os asiáticos, outros grandes compradores das commodities brasileiras, especialmente a soja, também manifestaram sua preocupação. “Com o crescimento da pressão internacional refletindo diretamente na economia, até o setor agrícola deve começar a pressionar internamente”, diz Laterman.

História de luta

Numa ação desesperada para conter o fogo e acalmar os ânimos, o Ministério do Meio Ambiente autorizou o uso de uma substância química que poderia retardar o fogo na Chapada dos Veadeiros, em Goiás. A ação, coordenada pelo ministro Ricardo Salles, causou reação negativa, uma vez que seus efeitos ao meio ambiente podem ser ainda piores do que o próprio fogo. Especialistas alegam que será necessário acompanhar e evitar o uso da água por até 40 dias.

Criado por um grupo de ecologistas, jornalistas e hippies em 1971, o Greenpeace realiza protestos em todo o mundo. Prestes a completar 50 anos, o grupo ganhou um reforço de 2.500 ativistas espalhados por 50 países. No Brasil, o primeiro protesto ocorreu há 27 anos, contra a implantação de usina nuclear em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro. Em 26 de abril de 1992, 800 cruzes brancas foram cravadas no chão em frente à torre da usina, referência ao desastre em Chernobyl, na Rússia. Recentemente, o Greenpeace conquistou outra vitória emblemática: impediu que a petroleira Total explorasse petróleo na região dos corais da Amazônia. “Foi uma luta de Davi contra Golias. Agora a meta é mostrar que a floresta em pé é mais importante para o Brasil do que destruída”, diz Laterman.