Imagine se um dia a França decidisse colocar o Louvre à venda para arrecadar dinheiro para os cofres públicos? Esse foi o sentimento entre arquitetos e artistas diante da possível venda do Palácio Capanema, jóia do modernismo inaugurada em 1946 e localizada na cidade do Rio de Janeiro. A obra-prima de 16 andares, 27.532 m2, foi o primeiro arranha-céu a reunir todos os elementos de uma construção modernista, como esplanadas livres para circulação e colunas de sustentação. Foi ainda o primeiro da América Latina a ter todas as janelas em vidro – padrão hoje utilizado em todas as cidades do mundo.

CASAS COLONIAIS História da Bahia corre o risco de se perder para sempre: cenário em ruínas (Crédito:Felipe Iruatã)

O palácio, recém reformado com dinheiro público (R$ 57,8 milhões gastos), chegou a fazer parte de uma extensa lista de imóveis que o governo federal pretende oferecer à iniciativa privada – e seria vendido por modestos R$ 30 milhões. A forte reação de arquitetos, artistas e políticos, no entanto, fez com que o ministro da Economia, Paulo Guedes, recuasse em relação ao negócio. Por enquanto, a privatização foi congelada. O governador fluminense Cláudio Castro (PL-RJ) e o presidente da Assembleia Legislativa, André Ceciliano (PT-RJ), se reuniram com representantes do ministério quinta-feira, 19. “A boa notícia é que a possibilidade da venda está suspensa. O ministro Guedes vai tirar o palácio do leilão”, disse Ceciliano. Isso acontece porque o Palácio Gustavo Capanema não é um edifício qualquer. O projeto envolveu grandes nomes da arquitetura e das artes, como Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Cândido Portinari, Burle Marx e até o “pai da arquitetura moderna”, o franco-suíço Le Corbusier.

O mesmo destino de presevação, contudo, não acontece com outros edifícios que deverão entrar no “Feirão de Imóveis” de Guedes, como o “A noite”, na Praça Mauá, antiga sede da Rádio Nacional. Ainda não há a lista completa de todos os espaços que serão vendidos, mas outras estruturas que fazem parte da história do Brasil correm o risco de virarem moeda de troca por preços irrisórios ou de simplesmente serem abandonadas, como é o caso dos casarões onde moraram os escritores Machado de Assis, Monteiro Lobato e o pintor Cândido Portinari. Em Salvador, o casario em Santo Antônio Além do Carmo, edifício que traz toda a história da Bahia colonial em seus traços, é um dos que mais chama a atenção por seu total abandono – as casas tombadas do centro histórico de Salvador também estão em frangalhos. O Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (Iphan), órgão responsável por manter os edifícios, em 2021, recebeu o menor orçamento dos últimos dez anos. Foram R$ 9 milhões — redução de 81% em relação a 2019. Se depender do apreço de Bolsonaro pela cultura e pela memória, o destino da arquitetura brasileira é virar ruína.