O presidente Jair Bolsonaro e sua equipe se reuniram na tarde desta sexta-feira com os presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, para discutir o futuro das reformas prometidas em sua campanha e a projeção de gastos públicos para 2021.

Na saída do encontro, Bolsonaro, Maia e Alcolumbre fizeram pronunciamentos. Estavam bem afinados. Em discursos rápidos, todos reafirmaram o compromisso com a manutenção do teto de gastos, ou seja, com a responsabilidade fiscal. Nada de manter o cofre aberto depois do ano atípico da pandemia.

Maia, na verdade, foi um pouco mais contundente. Ele mencionou também a necessidade de dar andamento à reforma administrativa, ou seja, às iniciativas para reduzir o tamanho do Estado e torná-lo mais eficiente. Esse é um projeto que depende da iniciativa do governo para avançar, lembrou o deputado.

O encontro e os pronunciamentos serviram para apagar um incêndio.

Na segunda-feira, Paulo Guedes perdeu dois auxiliares muito alinhados com seu pensamento, ambos oriundos da iniciativa privada: o empresário Salim Mattar, que era secretário de Desestatização, Desinvestimento e Mercados e o executivo do mercado financeiro Paulo Uebel, Secretário Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital.

Os dois se desiludiram com as dificuldades que encontraram no governo.

Ontem, o ministro mandou um recado público a Bolsonaro. Depois de comentar a “debandada” em seu ministério, ele disse que o presidente também vinha sendo aconselhado  a furar o teto de gastos no próximo ano, liberando um dinheiro que não existe para programas sociais e investimentos. Segundo Guedes, esse seria um caminho “sombrio”, que poderia levar ao impeachment.

Ficou no ar a impressão que Guedes poderia pedir o chapéu se Bolsonaro ouvisse os maus conselheiros. A reunião teve o papel simbólico de reafirmar o apoio às teses defendidas pelo “posto Ipiranga” da Economia.

Mas será que isso vai mesmo acontecer?

Como já escrevi aqui, o governo Bolsonaro está em mutação. A agenda conservadora-reacionária continua no seu núcleo duro, mas aquilo que não faz parte da sua essência ou já foi atirado pela janela – trata-se do combate à corrupção – ou está correndo risco – a agenda liberal de Paulo Guedes. Bolsonaro nunca foi devoto dessas duas causas, só as abraçou por conveniência.

A tentação de abrir a torneira do dinheiro público certamente está no coração de Bolsonaro, e não apenas de auxiliares como Rogério Marinho e o general Braga Netto, que são os antagonistas do ministro da Economia no Palácio do Planalto. Com o pagamento do coronavoucher, durante a pandemia, o presidente descobriu o milagre que o dispêndio com programas sociais pode operar: sua popularidade subiu no Nordeste, antes considerado uma fortaleza inexpugnável do lulismo.

Se entender que esse é único caminho para garantir sua reeleição, Bolsonaro voltará a procurar maneiras de aumentar o gasto público – pelas costas de Guedes ou de forma escancarada. As sereias gastadoras não vão parar de cantar à sua volta.

Quanto à reforma administrativa, ela é muito difícil de vender em um país onde um de cada cinco empregos formais está no setor público. Bolsonaro sabe disso, e não quer comprar essa briga. Já disse que ela seria pauta para um segundo mandato.

Hoje, Paulo Guedes venceu a batalha, mas não necessariamente a guerra.