Quando Eratóstenes, o quarto diretor da Biblioteca de Alexandria, determinou que a circunferência da Terra era de 252 mil estádios, errou por apenas 308 quilômetros. Convertendo a medição para os padrões atuais, o matemático, geógrafo e astrônomo grego calculou, ainda no século II antes de Cristo, que a Terra possui um circuito de 39,7 mil quilômetros. Medições atuais e precisas dão como certo 40.008 quilômetros. O experimento, baseado na diferença dos ângulos de sombra durante o mesmo horário no solstício de verão, nas cidades egípcias de Siena (hoje Assuã) e Alexandria, deu início a uma discussão que dura 23 séculos contra quem acredita que o mundo é plano.

Por mais que a observação científica e o cálculo matemático provem e comprovem que vivemos em um planeta esférico (mais precisamente, elipsoide), que se mantém no vácuo espacial ao redor de uma estrela em um braço de galáxia graças às forças gravitacionais, há gente em pleno século XXI disposta a ir até o fim do mundo para provar o contrário. Os terraplanistas alegam que tudo é fruto de um gigantesco embuste milenar criado para iludir a humanidade por razões vagas. Os terraplanistas formam uma confraria. Eles são indivíduos pseudocientíficos que fazem barulho nas redes sociais com vídeos e sites repletos de teorias, a maior parte conspiratórias. Quase sempre as críticas acabam resvalando na contestação da tese darwiniana da seleção natural. Há uma preferência pelo entendimento bíblico da criação do mundo.

Para provar seu ponto de vista, integrantes da Conferência Internacional da Terra Plana (FEIC, na sigla em inglês) anunciaram o desejo de fretar um cruzeiro em 2020 para navegar até o que eles consideram ser a borda do mundo. Eles não acreditam que o barco irá despencar em um abismo infinito com todos a bordo. O objetivo é atingir a margem interior da grande barreira de gelo que — eles garantem — demarca os limites de uma Terra plana, estática, circular e geocêntrica. Por acreditar que o umbigo do mundo fica no Polo Norte, eles navegarão na direção contrária, rumo à Antártica. O fato de a circum-navegação dos mares austrais ser mais curta é mero detalhe. Na peculiar lógica terraplanista, esse vem a ser o percurso marítimo circular mais extenso. O passeio não custará barato. Um cruzeiro de 16 dias, partindo de Bueno Aires até a Ilha Elefante, distante 300 quilômetros da Península Antártica, sai R$ 15 mil.

Há quem duvide da empreitada até entre os terraplanistas. A FEIC tem como rival a Sociedade da Terra Plana. Observador independente, Bruno Alves, eletrotécnico de Niterói (RJ) que é dono do canal no YouTube Mistérios do Mundo, também acredita que o pessoal do FEIC não é sério o suficiente. “Ir para lá não é tão simples. É uma navegação complicada”, diz, garantindo que o fim do mundo fica bem além. Para ele, o Tratado da Antártida, que proíbe a ocupação permanente e a exploração do continente gelado, é uma prova de que as nações mais poderosas querem esconder a verdade, que está lá fora para quem quiser e for capaz de ver. Sobre a curvatura da Terra, diz que a tecnologia hoje disponível serve para provar o contrário. Para ele, trata-se de uma ilusão, algo a ver com “a densidade do ar e a perspectiva”. Já as imagens da Lua e de outros corpos celestes seriam obra de programas digitais que existiriam desde os tempos da Corrida Espacial.

O problema dessa turma estaria justamente no caráter abstrato da ciência, que exige cálculos e medições em busca de padrões pouco evidentes. “Há quem misture ciência e religião, além muita informação de baixa qualidade circulando em redes sociais. Isso ajuda na volta do pensamento conservador”, diz o geofísico da USP Carlos Moreno, que acha que terraplanistas e afins estão mais preocupados em satisfazer seus egos do que em entender a realidade. Quanto ao cruzeiro, boa sorte para eles se forem navegar sem GPS (Global Positioning System), que só funciona porque a Terra é um globo.

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