Novo governo

Impossível ficar indiferente às cenas que correram pelas redes na última quarta-feira (2). Centenas de manifestantes vestindo camisas amarelas da seleção brasileira que caracteriza os apoiadores de Jair Bolsonaro, que promoveram bloqueio na rodovia SC-163, em São Miguel do Oeste, Santa Catarina, cantaram o hino nacional com o braço direito estendido ao alto e à frente. O gestual copia a saudação nazista “sieg heil”, que em tradução do alemão significa “salve a vitória”, usada nas décadas de 1930 e 1940 por seguidores de Adolf Hitler (1889-1945). Os líderes do protesto alegaram que a movimentação não foi “combinada” e, falando a repórteres no local, disseram que o que aconteceu não merece discussão, em nome da “liberdade de expressão”. Os apoiadores bolsonaristas estão errados. Nazismo é crime, definido pela Lei 7.716/1989.

Divulgação

Diz o texto da lei: “Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Pena: reclusão de um a três anos e multa – ou reclusão de dois a cinco anos e multa se o crime for conteúdo em publicações ou meios de comunicação social. Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo. Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa”. Depois do bloqueio na estrada, o grupo se reuniu diante do 14º Regimento de Cavalaria Mecanizada do Exército Brasileiro, com faixas que pediam “intervenção federal”. A repercussão dos vídeos nas redes chamou a atenção do Ministério Público, que pediu investigação e identificação dos envolvidos. O embaixador da Alemanha no Brasil, Heiko Thoms, disse ao portal G1 que o uso dos gestos nazistas é “chocante” e um “atentado à democracia”. Segundo ele, o gesto desrespeita a memória das vítimas do nazismo.

DRESS CODE Verde e amarelo: as bandeiras cobrem multidão nos protestos (Crédito:Divulgação)

Para Michel Gherman, professor da UFRJ e assessor do Instituto Brasil-Israel, “Bolsonaro traz um discurso vinculado ao nazismo com uma estética nazista e uma perspectiva nazista”, mas mesmo assim foi eleito. “Você tem o discurso autoritário, muito bem-vindo por setores da sociedade brasileira, e que, no caso da candidatura de Bolsonaro e dessa ascensão da extrema direita, incluíu elementos carismáticos. Essa mistura é explosiva: uma tradição autoritária, um discurso carismático e uma estética nazista. A gente está vendo surgir diante dos nossos olhos”, diz o professor. O acadêmico fala em um grupo de extrema direita muito ativo no Brasil. “Isso é absolutamente preocupante. Estão organizados, internacionalmente vinculados, com estrutura e estão em ascensão, não em declínio. A derrota do seu líder acabou colocando-os de maneira mais livre para se expressar. Então , a gente tem uma extrema direita organizada e pronta para ataque, o que é absolutamente preocupante. Não há país no mundo que entre 2018 e 2022, registrou mais crescimento de grupos neonazistas. Estou falando em crescimento, em número de células. Isso não tem a ver com Mercúrio retrógrado, isso tem a ver com Bolsonaro.”

O atual governo registrou alguns casos em que a influência nazista ficou claramente à mostra, particularmente durante o ano de 2020. O então secretário especial de Cultura, Roberto Alvim, copiou uma citação do ministro de propaganda da Alemanha nazista, Joseph Goebbels, em um discurso para as redes sociais. Meses depois, ex-companheiros de Bolsonaro quando o presidente era paraquedista das Forças Armadas, foram até o Palácio do Planalto e saudaram o mandatário com o gesto nazista: estenderam o braço direito para o alto e gritaram “Bolsonaro somos nós”. No mesmo ano, o presidente e seus convidados tomaram um copo de leite puro, durante sua live semanal. O gesto é associado a uma prática de neonazistas dos EUA, que tomam leite branco, um símbolo da supremacia branca. Em 2021, o assessor internacional da Presidência da República, Filipe Martins, apareceu na TV Senado, atrás do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco, fazendo com a mão gesto com três dedos retos, classificado com gestual de identificação entre supremacistas brancos.

Atos de apoio ao nazismo são recorrentes em Santa Catarina. Em 2020, a então governadora interina Daniela Reinehr precisou emitir nota oficial afirmando ser “contrária ao nazismo”, depois da divilgação de atividades do pai, Altair Reinehr, professor aposentado que negava o Holocausto na Segunda Guerra. Outro caso de repercussão nacional foi a piscina que outro professor, Wander Pugliesi, construiu em sua casa, em Blumenau, com uma suástica montada com os azulejos do fundo, facilmente reconhecível por quem sobrevoa sua propriedade.

ÁGUA TURVA Lazer nazista: cruz suástica na piscina em Blumenau (Crédito:Divulgação)

Para Michel Gherman, há na região referência de uma Alemanha imaginária. “Poucos países fizeram uma revisão histórica do nazismo como a Alemanha fez, revisão no sentido positivo da palavra. Essas pessoas que têm uma descendência alemã lá atrás acabam se aproximando de uma Alemanha que nem existe, uma Alemanha de extrema direita. Apesar disso, acho que o nazismo no Brasil tem mais a ver com o bolsonarismo do que com a origem étnica. Até porque o nazismo não tem muita coerência, produz seu discurso entre pessoas que não são supostamente descendentes de europeu.“