MOBILIZAÇÃO Estudantes protestam contra o Escola Sem Partido. No alto, mulheres pedem a liberação do aborto em frente ao STF (Crédito:Pedro Ladeira/Folhapress)

Boa parte do eleitorado brasileiro colocou Jair Bolsonaro na presidência da República por acreditar que, sob seu comando, o Brasil viverá sob os auspícios de uma agenda conservadora. Ao longo da campanha, a militância bolsonarista nas redes sociais aplaudiu cada vez que o candidato defendeu coisas como o Escola Sem Partido — movimento que deseja impedir a “doutrinação política e ideológica nas escolas” —, declarou-se contrário à descriminalização do porte de drogas ou do aborto ou fez alusões discriminatórias à população LGBT. A escolha da pastora Damares Alves — dona de posições polêmicas, como a de que lugar de mulher é em casa — para ocupar o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, e de Ricardo Rodríguez, partidário do Escola sem Partido, para o Ministério da Educação, reforçaram a expectativa de que o conservadorismo irá preponderar.

A história ensina, porém, que sociedades não andam para trás ou para frente do ponto de vista cultural de uma hora para outra, tampouco de uma vez só. Transformações desse teor ocorrem ao longo de séculos ou, dependendo do que propõem, morrem logo depois de nascer porque não ultrapassam barreiras contrárias. No Brasil, o momento é de total fragmentação social. Os escândalos de corrupção, a decepção com o sistema político, a violência e a desgraça financeira produzida por uma recessão de três anos formaram um caldeirão dentro do qual metade da população é água e a outra metade, azeite.

Os eleitores que levaram Bolsonaro à presidência entendem que a solução para acabar com a depressão nacional é voltar-se para valores tradicionais, como a manutenção da família nos moldes pai-mãe-filhos, estimular a prática religiosa e os princípios que dela advêm — a proibição do aborto entre eles. Do ponto de vista cultural, significa rechaçar princípios consolidados em outras sociedades, como os de não permitir a censura e o de autorizar que os indivíduos decidam o que fazer com o próprio corpo. Entre os que defendem e os que são contrários a isso tudo existe uma malha social composta por entidades civis e representações políticas que medirão forças para ver quem impõe o quê. Na avaliação de estudiosos, apesar da estridência dos grupos que apoiam as pautas bolsonaristas, não há no País um ambiente propício à sua instalação simples e rápida, como pensam muitos. “Ainda não há espaço suficiente para isso”, afirma o filósofo Roberto Romano da Silva, professor da Universidade Estadual de Campinas. “A não adoção de medidas retrógradas também dependerá da inteligência e da mobilização dos setores progressistas.” Romano cita como exemplo o arquivamento, na Câmara, do projeto de lei que propunha a instalação do Escola Sem Partido. Depois de reuniões obstruídas pela oposição, os deputados deixaram o assunto para a próxima legislatura.

Acima disso, está a Constituição. Grande parte das propostas conservadoras possibilita a discussão sob sua ótica. Por se tratar de uma legislação ampla e de preceitos que garantem a pluralidade de concepções, é a ela que recorrem os insatisfeitos. “A Constituição é abrangente”, explica Marcelo Figueiredo, especialista em Direito Constitucional, da PUC/SP. “Por isso, é grande a possibilidade de judicialização dessas questões.” De fato, está na pauta do Supremo Tribunal Federal, responsável por analisar os casos que envolvam dúvidas sobre a constitucionalidade de medidas, o julgamento de alguns dos temas. Em fevereiro, o STF vota a ação que pede a criminalização da homofobia e, em junho, a descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal. A discussão sobre a descriminalização do aborto não tem data para ser retomada, após ser debatida em audiências públicas, em agosto. Também está no STF a polêmica do Escola Sem Partido. Os ministros adiaram a votação de uma decisão do juiz Luis Roberto Barroso suspendendo a lei que instituía o programa em Alagoas. Como se vê, não vai ser tão fácil fazer o Brasil retroceder nos costumes.

“Ainda não há espaço no País para a instalação simples e rápida de medidas retrógradas” Roberto Romano da Silva, filósofo, professor da Unicamp (SP)

POLÊMICAS À VISTA

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Descriminalização do aborto
Está em discussão no STF ação que pede a revisão dos artigos 124 e 126 do Código Penal, que criminalizam o procedimento

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Escola sem Partido
O julgamento de ação pedindo a suspensão do projeto em Alagoas foi suspenso pelo STF. Na Câmara, projeto de lei sobre o tema foi arquivado, mas deve voltar à discussão com o início do novo ano legislativo


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