Há quinze anos morreu no Rio de Janeiro o traficante José Carlos dos Reis Encina, conhecido como “Escadinha” e senhor absoluto do Morro do Juramento. Ele e a sua quadrilha interceptavam na Via Dutra caminhões com frangos e caminhões com bujões de gás, roubavam as cargas e distribuíam-nas aos favelados. Foi preso, fugiu espetacularmente de helicóptero, foi preso outra vez, gravou um CD e boa parte da mídia o romantizou. Bobagem. “Escadinha” era um bandido que não hesitava em mandar atirar em seus desafetos e apostar se o corpo ia cair para a direita ou para a esquerda. Nada havia nele de romantismo. Foi nessa época que se começou a falar no Rio de Janeiro a respeito da formação pelo narcotráfico de um estado paralelo. E, convenhamos, nessa última década e meia nossa alma se cansou de ouvir sobre a omissão do Estado oficial.

O tempo passou, o Rio de Janeiro se deteriorou. Já não é apenas um estado fora do Estado de Direito, agora são dois. Um deles engloba os traficantes, o outro envolve as milícias formadas por ex-policiais e comerciantes, que nasceram sob aplausos da população — os milicianos prometiam matar ladrão, o que também põe em risco a democracia, já que somente o Estado de Direito pode ter o monopólio da repressão. Entre janeiro de 2012 e dezembro do ano passado foram expulsos da PM cerca de mil e trezentos policiais e parte deles migrou para as milícias. Cotejando 2018 com o ano anterior, os expurgos explodiram 164%. A PM tem mesmo de limpar os seus quadros, a Justiça é que devia prender tais policiais que cometeram crimes graves quando investidos da função estatal.

A ingênua e desesperada esperança da população do Rio de Janeiro, de que os bandidos milicianos a livrariam do jugo dos bandidos traficantes, logo morreu. Também as milícias passaram a explorar e aterroziar quem ganha a vida honestamente: dominaram a distribuição de gás nas comunidades cobrando preços exorbitantes, estabeleceram pedágios para o ir e o vir, dominaram o transporte público de vans. Há quinze anos havia uma milícia, a de Rio das Pedras. Hoje, elas estão em catorze cidades, mandam em vinte e seis bairros da capital e exercem poder de vida e morte sobre dois milhões e quinhentas mil pessoas. Ou seja: havia um estado paralelo, atualmente são dois estados paralelos, e, em alguns locais, o estado miliciano e o estado traficante estão se unindo: Niterói, São Gonçalo e Itaboraí. As milícias não prestam, os traficantes não prestam, tanto os atuais quanto os do tempo de José Carlos dos Reis Encina (ele não prestava). Alguma providência será tomada pelas autoridades? Claro que não. Portanto, até o surgimento do terceiro estado paralelo.

No Rio de Janeiro ocorre o inimaginável: as milícias e os traficantes começaram a se unir

 

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