Candidato à prefeitura de São Paulo, Pablo Marçal (PRTB) ampliou sua intenção de voto entre os evangélicos na pesquisa AtlasIntel divulgada nesta segunda-feira, 30, com 39,3%. Em debate realizado pelo jornal Folha de S. Paulo e portal UOL nesta manhã, evocou símbolos cristãos e questionou a fé religiosa de adversários, em mais um sinal de que entende ter ganhado terreno no segmento — e que não está disposto a arriscá-lo.

Enquanto a Atlas fazia entrevistas, o candidato foi alvo de críticas sequenciais de lideranças pentecostais e neopentecostais, como o pastor Silas Malafaia, presidente da Assembleia de Deus Vitória em Cristo. Enquanto isso, Ricardo Nunes (MDB), seu principal rival por esse eleitorado, fazia uma peregrinação em cultos e encontros com lideranças como o apóstolo Estevam Hernandes, fundador da Renascer em Cristo.

Mas a ofensiva não afastou os evangélicos da candidatura de Marçal, como explica o site IstoÉ neste texto.

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Vocabulário cristão

A resistência a Marçal é capitaneada por Malafaia, pastor próximo a Jair Bolsonaro (PL), que apoia oficialmente o prefeito Ricardo Nunes na eleição paulistana, e responsável por organizar o ato de 7 de setembro na avenida Paulista, em que o ex-coach foi impedido de subir ao trio elétrico.

Com 4,3 milhões de seguidores no Instagram, o líder grava vídeos com críticas ao candidato do PRTB quase diariamente. Ao site IstoÉ, disse que Marçal tem o “poder de manipulação de um psicopata” e é “uma farsa no mundo evangélico e na direita”.

“Não há uma ação sequer de Marçal contra a ideologia de gênero ou o PL 2630/2020, o ‘PL da Censura’, nem uma palavra criticando [o ministro do Supremo] Alexandre de Moraes, que são bandeiras da direita”, afirmou Malafaia.

Na visão do pastor, a omissão de outras lideranças evangélicas nos últimos anos culminou na popularização do ex-coach entre os fiéis. “Os pastores ficam quatro anos sem falar nada e, quando chega a época da eleição, querem falar alguma coisa. Mas não adianta, não há mais espaço, [por isso] eu instruo minha comunidade durante quatro anos, o tempo inteiro”, disse ao site IstoÉ.

A estratégia da “oposição evangélica” a Marçal consiste em resgatar declarações antigas, como aquelas em que o candidato criticou o pagamento de dízimos, afirmou que ser cristão é um “lifestyle (estilo de vida)” e comparou sua importância à de Salomão, rei de Israel retratado na Bíblia como um guia da devoção a Deus — especialmente importante para cristãos e judeus –, chamando-o de “neném”.

Mesmo nas declarações atacadas, porém, o político não abandona vocabulário e premissas bíblicas. Ao se comparar a Salomão, afirma que teve “apenas uma mulher” e está “firme nas missões de Deus”, ao contrário do rei.

O eleitor evangélico faz a leitura da fluência do candidato no ‘idioma’, nos códigos dele. A autenticidade e a confiança são passadas por esse reconhecimento. Marçal é fluente na linguagem evangélica e na recuperação das premissas do antigo testamento. ‘Eu não estou na igreja, mas eu sou a igreja’, ele pode dizer, porque seu discurso e vocabulário validam essa tese”, disse Valdinei Ferreira, pastor e professor de teologia na Primeira Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo, ao site IstoÉ. O influenciador adotou essa tônica em publicação nas redes sociais, nesta segunda.

Oposição de lideranças

Para Ferreira, a falta de vínculo formal a uma instituição evangélica não deve ser considerada uma barreira para que ele seja visto como um representante do segmento. “Embora partilhem dos princípios e consumam conteúdo cristão, muitos evangélicos não fazem parte de uma igreja ou seguem a mediação de lideranças. Quando Marçal diz que seguir a Cristo é um ‘estilo de vida’, e não uma religião, muitos cristãos se identificam”, afirmou o pastor.

A igreja e o pastor do bairro, que prestam assistência para a comunidade e estão próximas de seu dia a dia, exercem uma influência mais relevante sobre os fiéis do que as lideranças das grandes instituições”, disse Alexandre Gonçalves, pastor da Igreja de Deus no Brasil, ao site IstoÉ.

Em julho, o Datafolha ouviu de 55% de evangélicos que vivem em São Paulo que o apoio das lideranças da religião a um candidato é “pouco” ou “nada” importante em sua definição de voto para a prefeitura. No mesmo levantamento, 78% responderam que acreditar em Deus é decisivo para a escolha.

“Há muitos ‘evangélicos culturais’, pessoas que se identificam com referências de literatura, podcasts e influências digitais cristãs, seguem os princípios e acompanham pregações virtuais, mas não sentem a necessidade de se associar a uma instituição”, disse ao site IstoÉ Juliano Spyer, antropólogo, autor do livro “Povo de Deus” e criador do Observatório Evangélico.

Discurso aderente, mas com ressalvas

O Datafolha de julho levantou que 38% dos evangélicos da capital paulista têm renda de até um salário mínimo mensal, e 27% ganham entre um e dois salários. Neste extrato, disse Spyer, há um atrativo intrínseco ao discurso de Marçal como influenciador, empresário, coach ou candidato: a trajetória de ascensão social.

“É um grupo socioeconômico que acumula trabalho e fontes alternativas de renda, o que o torna muito sensível ao discurso da prosperidade, às propostas de ‘destravar’ as limitações sociais e melhorar de vida”, afirmou o antropólogo.

No livro “Vá cuidar da sua Vida”, Marçal relatou que teve uma infância pobre, estudou em escola pública e, aos 9 anos, precisou encontrar uma forma de ganhar dinheiro para comprar um brinquedo que seu pai lhe negou.

Desde então, disse o influenciador em entrevistas, a trajetória é acidentada: começou a trabalhar formalmente aos 16 anos, foi atendente de call center, não teve sucesso na carreira de direito e foi “picado pelo rica vírus”, o que o levou a abraçar o empreendedorismo — razão declarada do patrimônio de R$ 193 milhões informado ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) neste ano. Pouco elaborada, uma de suas propostas se for prefeito é “desenvolver a mentalidade empreendedora” dos paulistanos.

Ida de Pablo Marçal (PRTB) ao 7 de setembro bolsonarista, na avenida Paulista, irritou lideranças evangélicas | Divulgação/Campanha
Ida de Pablo Marçal (PRTB) ao 7 de setembro bolsonarista, na avenida Paulista, irritou lideranças evangélicas | Divulgação/Campanha

Mas a defesa do empreendedorismo e a trajetória de ascensão econômica, avalizadores do candidato entre os evangélicos, dividem espaço com uma postura agressiva, identificada desde o início da campanha como uma estratégia para ganhar visibilidade, que incluiu acusações sem provas de que uma adversária foi responsável pelo suicídio do próprio pai e outro seria usuário de cocaína.

Para Alexandre Gonçalves, a conduta é “pouco palatável” para o perfil de frequentador das comunidades pentecostais, fundadas antes da década de 1980 e que abrigam 43% dos evangélicos da capital paulista, de acordo com o Datafolha. “Os pentecostais se identificam por natureza com um discurso menos agressivo e evitam radicalismo na discussão política“, afirmou.

O pastor observa, no entanto, que a própria adesão do segmento a Bolsonaro demonstra um descaminho. “O alinhamento às ideias da direita estava cristalizado entre os evangélicos em pontos de inflexão, como a posição sobre o aborto; mas os últimos anos trouxeram à igreja muitas pessoas com ideais radicais, como o armamentismo, que são contraditórias em relação à tradição pentecostal”, afirmou.

“Eu tenho arma e abro mão da minha arma no dia que vou mil homicídios por ano no Brasil inteiro. Não é para matar ninguém não, [a arma] é para proteger seus filhos”, disse Marçal em 2022.