Ataque de Israel atinge única igreja católica de Gaza

Padre que mantinha contato diário com papa Francisco é ferido e três pessoas morrem no complexo que abrigava mais de 600 palestinos cristãos e muçulmanos. Israel emite raro pedido de desculpas e promete investigar.Um míssil israelense atingiu nesta quinta-feira (17/07) o complexo da Igreja da Sagrada Família da Faixa de Gaza, a única igreja católica do enclave palestino, matando três pessoas e ferindo várias outras, de acordo com testemunhas e autoridades da igreja.

Entre os feridos estava o padre Gabriele Romanelli, o responsável pela pequena comunidade cristã em Gaza, que se tornou amigo íntimo do papa Francisco nos últimos meses de vida do pontífice, e com quem ele telefonava quase diariamente. O pároco foi ferido na perna esquerda, mas, segundo relatos, ainda consegue andar.

O bombardeio da igreja também danificou o complexo onde centenas de palestinos buscavam refúgio da guerra entre Israel e o grupo islamista Hamas.

"O que sabemos com certeza é que um tanque – as FDI [Forças de Defesa de Israel] dizem que por engano, mas não temos certeza disso –, eles atingiram a igreja diretamente", disse o cardeal Pierbattista Pizzaballa, patriarca latino de Jerusalém, à agência de notícias do Vaticano. "Há quatro pessoas seriamente feridas; entre essas quatro, duas estão em condições muito dramáticas e suas vidas estão em sério perigo."

O Patriarcado Greco-Ortodoxo de Jerusalém – que também opera uma igreja em Gaza que já havia sofrido ataques israelenses – disse que a Igreja da Sagrada Família abrigava 600 pessoas deslocadas, cristãs e muçulmanas, incluindo várias crianças e 54 pessoas com deficiência, e que o edifício do complexo sofreu danos significativos.

Diretor interino do Hospital Al-Ahli, que recebeu os mortos e feridos, Fadel Naem, contou que a igreja fica a poucos passos do hospital e que a área ao redor vem sendo atingida repetidamente há mais de uma semana.

Entre os mortos estão, segundo a instituição de caridade católica Caritas Jerusalém, um funcionário de Romanelli, de 60 anos, e uma mulher de 84 anos que recebia apoio psicossocial dentro de uma tenda da entidade no complexo da igreja.

Papa pede cessar-fogo

Após o ataque, o papa Leão 14 renovou seu apelo por um cessar-fogo imediato em Gaza. Em mensagem de condolências às vítimas enviado pelo Cardeal Pietro Parolin, o número 2 do Vaticano, Leão expressou "sua profunda esperança por diálogo, reconciliação e paz duradoura na região".

Na mensagem, o papa se disse "profundamente triste ao saber da perda de vidas e ferimentos causados pelo ataque militar" e expressou sua proximidade a Romanelli e a toda a paróquia.

Em comunicado, o Patriarcado Latino de Jerusalém, responsável pela igreja em Gaza, disse que as pessoas abrigadas no Complexo da Sagrada Família haviam encontrado ali "um santuário, na esperança de que os horrores da guerra ao menos poupassem suas vidas, depois que seus lares, pertences e dignidade já haviam sido arrancados".

O Patriarcado condenou o ataque, afirmando que ele é apenas mais um dentre os vários que destroem Gaza e seu povo, e que "condena fortemente essa tragédia e esse ataque contra civis inocentes e um local sagrado".

"Contudo, essa tragédia não é maior ou mais terrível que as várias outras que já se abateram sobre Gaza. Muitos outros civis inocentes também foram feridos, deslocados e mortos. Morte, sofrimento e destruição estão por toda a parte", diz a nota.

O Patriarcado também fez um pedido para que "essa tragédia que é humanamente e moralmente injustificada" seja parada. "Essa guerra terrível precisa chegar a um fim total, para que possamos dar início ao longo trabalho de restaurar a dignidade humana."

Israel emite raro pedido de desculpas

As Forças de Defesa de Israel (FDI) disseram estar cientes dos danos causados à igreja e asseguraram que o incidente está sob investigação. O Exército israelense disse fazer "todos os esforços possíveis para mitigar os danos a civis e estruturas civis, incluindo locais religiosos, e lamenta qualquer dano causado a eles." Em várias ocasiões, Israel acusou militantes do Hamas de operar em áreas civis.

Em um gesto raro, o Ministério do Exterior de Israel publicou um pedido de desculpas nas redes sociais. "Israel expressa profundo pesar pelos danos à Igreja da Sagrada Família na Cidade de Gaza e por qualquer vítima civil" disse a pasta.

A primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, condenou Israel pelo ataque à igreja. "Os ataques à população civil que Israel vem demonstrando há meses são inaceitáveis. Nenhuma ação militar pode justificar tal atitude", afirmou.

Em comunicado, a Igreja Ortodoxa afirmou que atacar um local sagrado "é uma flagrante afronta à dignidade humana e uma grave violação da santidade da vida e da inviolabilidade de locais religiosos, que deveriam servir como refúgios seguros em tempos de guerra".

Há cerca de 1.200 palestinos cristãos em Gaza. Desde o início da guerra, muitos procuraram abrigo nas duas igrejas cristãs do enclave.

Igreja em Gaza tinha linha direta com o papa Francisco

Em meio à destruição em Gaza havia um vislumbre diário de esperança na paróquia da Sagrada Família: um telefonema noturno do papa Francisco. Todos os dias, por volta das 20h, desde o início da guerra, o papa ligava para ter notícias sobre os palestinos abrigados na sede da igreja.

"Ele nos telefonava diariamente, mesmo nos dias mais sombrios, sob bombardeio, quando pessoas estavam sendo mortas e feridas ao nosso redor", disse Romanelli. Ele, assim como Francisco, é natural de Buenos Aires.

Vídeos divulgados após a morte de Francisco mostram o papa falando por videochamada com o padre e fiéis abrigados na igreja. Em uma das ligações, efetuada no último aniversário de Francisco, em 17 de dezembro de 2024, crianças palestinas cantam parabéns para o papa.

"A comunicação era constante, dia e noite. Às vezes, devido à difícil situação em Gaza, eram necessárias três ou quatro horas de tentativas até que a ligação finalmente fosse atendida. Mas ele nunca desistiu até chegar até nós", relatou Romanelli após a morte do pontífice.

"Ele fez todos os esforços para falar com cada um de nós por telefone", disse, por sua vez à DW, George Anton, coordenador de emergência da paróquia. "Desde o início da guerra até o dia anterior à sua morte, ele permaneceu uma presença diária em nossas vidas. Ele nunca se esqueceu de nós."

A última vez que Francisco fez contato foi dois dias antes da sua morte, contou Romanelli. "Ele pediu nossas orações, nos deu sua bênção e nos agradeceu por nosso compromisso com a paz".

A última chamada, quando o papa estava bastante fragilizado, durou apenas 30 segundos. Mas, na maioria dos dias, a ligação durava cerca de 15 minutos.

rc/ra (Reuters, AP, DW, ots)