Vinte anos após o ataque a uma lanchonete do McDonald’s em Millau (sul da França), o sindicalista agrícola francês José Bové e alguns dos que participaram se lembram desse evento, que se tornou um símbolo da luta antiglobalização.

O tempo passou desde 12 de agosto de 1999, mas a determinação de Bové permanece intacta e garante que muitas coisas avançaram desde então.

“Você pode dizer que a sociedade se tornou mais consciente, mas a lógica do modelo capitalista ainda está aí”, afirma.

Bové menciona a atual luta contra os acordos de livre-comércio entre a União Europeia (UE) e o Canadá e entre a UE e os países do Mercosul e critica a política do presidente Jair Bolsonaro.

Há 20 anos, no verão (do hemisfério norte) de 1999, a Organização Mundial do Comércio (OMC) autorizou os Estados Unidos a imporem sanções econômicas à UE em retaliação pela recusa europeia a importar carne bovina americana “dopada” com hormônios.

No final de julho, um punhado de camponeses do planalto do Larzac, membros da Confederação Camponesa ou do Sindicato dos Produtores de Leite de Ovelha (SPLB), queria liderar uma ação de choque para protestar contra a decisão de Washington de aumentar as tarifas sobre produtos como o roquefort, o principal queijo da região.

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Bové, confortavelmente instalado no jardim da casa de madeira que ele construiu em seu reduto, a aldeia de Montredon, lembra da reunião antes desta ação, no “Tintin”, um bar perto de Millau, uma cidade no departamento de Aveyron.

“Na conversa, o McDonald’s surgiu na mesma hora. Por um lado, havia o roquefort, um dos primeiros produtos de Denominação de Origem Protegida (DOP) e, por outro, o alimento industrial, carne bovina tratada com hormônios”, explica.

“Existem manifestações assim que são ideias de gênio”, comenta o companheiro de luta Léon Maillet, sorridente.

No dia 12 de agosto, pela manhã, 300 pessoas – criadores de gado, agricultores, ativistas da Confederação Camponesa, amigos, ou sindicalistas – se reuniram junto à lanchonete do McDonald’s que estava sendo construída em Millau.

Em um palco improvisado, Bové, então porta-voz da Confederação Camponesa, proferiu um discurso que introduziria o combate à “junk food”.

“O McDonald’s é o símbolo daquelas multinacionais que querem nos fazer comer porcaria e que querem que os camponeses morram”, disse o então militante.

O McDonald’s foi desmantelado, e quatro militantes detidos, acusados e presos dias depois.

– “Companheiros de prisão” –

José Bové, que estava de férias, escapou da prisão, ao contrário de seus companheiros. Ele convocou a imprensa e compareceu diante de uma juíza de instrução. Quando ela anunciou sua prisão provisória, o ativista respondeu: “Obrigado, senhora, a senhora nos fez ganhar dez anos”.

“Os camaradas na cadeia estavam em uma situação grave”, afirma Jean-Paul Scoquart, “filho do proletário da região parisiense”, que, na década de 1980, tornou-se pecuarista. Por isso ele criou um comitê de apoio.

O dinheiro chegava de todos os lugares. E Bové, que até recebeu uma doação de um sindicato de fazendeiros do Texas, finalmente pagou uma fiança de 105.000 francos e conseguiu sair da prisão.


As audiências perante os juízes, os processos, a detenção de Bové foram eventos que reuniram milhares de simpatizantes.

Em 30 de junho de 2000, na primeira instância em Millau, Bové e seus corréus foram condenados. Cerca de 100.000 pessoas foram até a cidade demonstrar apoio.

“O McDonald’s foi o começo do movimento antiglobalização”, enfatiza Bové.

Quando ele viajou para a cúpula da OMC em Seattle (noroeste dos Estados Unidos), em novembro de 1999, o francês não era mais um estranho e podia divulgar sua mensagem com plena confiança.

“A reflexão sobre a OMC passa pela comida. O roquefort se tornou o símbolo dessa resistência”, disse Bové, rindo.

“Depois, nos voltamos contra os pesticidas e os transgênicos”, acrescentou Jean-Paul Scoquart.


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