05/04/2023 - 14:30
É tão inacreditavelmente distante meu sentimento (e minha compreensão) da realidade destes pais que perderam seus filhos – e a própria graça de viver -, que mesmo tentando entender o tamanho da dor e da tragédia que estão vivendo, nem de longe consigo imaginar o que estão sentindo e pelo que estão passando.
Dias atrás, ouvindo o testemunho do pai de um rapaz que foi atropelado e morto por um motorista bêbado em Belo Horizonte, senti um misto de pena e, não sei dizer ao certo, mas algo como raiva (sinceramente, não creio ser a palavra mais adequada, mas foi a que me ocorreu agora), pelas palavras dele.
O senhor, profundamente emocionado e abalado, disse que perdoava o assassino, e que ele (o bêbado) iria se entender com a justiça divina. Este mesmo pai disse estar conformado, pois o filho fora escolhido por Deus – dentre os outros três ciclistas que o acompanhavam -, já que pronto para subir ao Céu.
Naquela hora, só me ocorreu – pois já vi e ouvi dezenas, talvez centenas de depoimentos assim – que ter fé, muita fé, e verdadeiramente ser religioso (pouco importa a religião), às vezes é o único caminho, a única maneira de seguir adiante e disposto a viver após eventos assim. Do contrário, a pulsão de morte nos consome.
Quem sou eu para julgar o que sente ou acredita qualquer um de nós? Quem sou eu para criticar os sentimentos de alguém diante da perda de um filho? Quem sou para me meter na dor (tão inimaginavelmente profunda) de pais destruídos? Não, não estou no papel de nada nem de ninguém. Apenas tento decifrar o “mecanismo” que nos move.
O mesmo Deus que escolheu o filho para ser atropelado, será o juiz do assassino, na crença daquele senhor. Porém, me parece que o julgamento será favorável ao criminoso, já que um mero instrumento da vontade divina. Nessa hora, sinto raiva do pensamento, entendem? Pois não faz sentido. Mas quem disse que é preciso?
A fé e a religiosidade confortam quem sofre, e talvez seja essa a maior contribuição da religião ao ser humano. Ao ver a imagem dos pais a caminho dos filhos mortos – meu Deus! – só consegui desejar que tenham muita fé, muita espiritualidade, muita crença, enfim, que tenham algo para além da cruel realidade, que os mantenha pé. Eu não teria.