Suzana Uchôa Itiberê Foto Divulgação Donetti e Beatriz. Um escritor e sua fã se encontram no apartamento dela. O espaço em Um Erro Emocional (Record, 192 págs., R$ 34,90) é restrito, mas basta para que o paranaense Cristovão Tezza ultrapasse fronteiras físicas e mergulhe nas lembranças de duas pessoas com passados traumáticos. Obra de narrativa desafiadora, em que vozes e tempos se alternam sem aviso, é um retorno louvável do autor, depois de O Filho Eterno (2007), que ganhou, entre outros prêmios, o APCA, o Jabuti e o Portugal-Telecom. Depois de receber tantos prêmios por O Filho Eterno, como foi escrever sob a pressão da expectativa? Não senti a pressão. Se fosse mais jovem, talvez sentisse o peso do sucesso inesperado. Mas, a essa altura da vida, já tinha esse livro engatilhado na cabeça. Do ponto de vista da linguagem, ele retoma um projeto que vinha de longe, de O Fotógrafo (2004). Só depois de terminar é que senti angústia, mas a de sempre. Assim que lanço um livro, fico angustiado para ver a resposta, pois não tenho muita noção do que fiz, já que sou um autor bastante intuitivo. Como nasceu Um Erro Emocional? Por acaso. Tenho uma série de contos que escrevi como parte de uma antologia da Record, Contos Para Ler na Escola, na qual uma moça vai dar aula particular na casa de um menino. Era a Alice, que virou Beatriz. Escrevi outros contos com a personagem e ela amadureceu. Um dos projetos teria 10 páginas e se chamaria Um Erro Emocional, que era a forma como um homem definia sua paixão. Mas, à medida que escrevia, percebi que tinha mais do que um conto e que podia fazer um mergulho em duas histórias de vida: do escritor e da leitora. Embora seja breve, a narrativa exige muita atenção. Sim, é livro para se ler devagar. Funcionou quase como uma respiração. Até a quebra dos capítulos foi a última coisa que fiz. O livro era um texto só, direto. Criei os capítulos para fazê-lo respirar visualmente para o leitor. São movimentos em que a narração passa da cabeça dele para cabeça dela e volta para ele com pequenas fusões de ponto de vista, de mudanças de perspectiva. Queria envolver o leitor numa atmosfera de subentendidos, de entrelinhas, em clima sutil de aproximação amorosa. É curioso como os personagens dialogam mais consigo mesmos do que entre si. No fundo, é uma obra sobre a solidão. Donetti é extrovertido, mas se inibe diante de Beatriz, que é toda para dentro. O silêncio os contamina, enquanto a mente dos dois viaja. Claro que isso é um falso realismo, pois não pensamos com essa organização. Na verdade, dou a impressão de que são fragmentos de memória, mas é um painel porque você vai montar a história deles. O quanto há de você em Donetti? Não sou um tipo Donetti. Tenho uma vida extremamente estável, sou casado há 37 anos com a mesma mulher. Logo vou ser tombado por um museu de história natural. Sua persona de escritor sintetiza a minha observação dos escritores. Tenho rodado pelo Brasil e conheci muitos autores. Noto um substrato irritadiço no trabalho do escritor e do artista em geral, a sensação de ser um injustiçado, de estar aquém do merecido. Uni uma série de traços e criei um Frankenstein. De autobiográfico, só mesmo as folhas amarelas manuscritas, pois escrevi quase todos os meus livros assim. Agora entrei na era do computador. A figura paterna é marcante na trama e você perdeu seu pai ainda criança. A literatura é uma forma de exorcizar essa falta? Pode ser. A figura do pai está sempre presente em meus livros e tive uma ausência paterna na vida. Aí pode até haver todo um processo psicanalítico a se desenterrar. O tema ?pai e filho? é muito literário e forte para a nossa cultura desde o século XIX, com a família nuclear instituída. Claro que há o pai bíblico, mas, na época da nobreza, a figura do pai e a noção de família quase não existiam.