Não foram necessários muitos dias de confinamento para que a 21ª. edição do Big Brother Brasil reafirmasse a lógica que cimenta o espetáculo da barbárie desde a sua primeira edição, em 2001: competição, humilhação, mérito, egoísmo, autoritarismo, autoexposição, desumanização… A edição de 2021 veio com uma questão suplementar, que logo se tornou central: a presença significativa de pessoas negras, que eram sete até a saída de Lucas Penteado. Embora não sejam maioria, o ineditismo foi o bastante para que os holofotes dentro e fora da casa jogassem luz nas dinâmicas das relações raciais no Brasil, como se a microrrede de intrigas fosse um exemplar do que acontece
na vida como ela é.

Não quero com isso dizer que a vida fora da bolha do Big Brother não conheça a tirania, a destituição, a concorrência desleal, o apego ao mérito. Longe disso. Chamo atenção para o fato de que se temos de depor nossos olhares, quase que compulsoriamente, num programa que reativa os piores instintos, parece que o empobrecimento da experiência se tornou lamentavelmente uma cifra do nosso tempo. Um dos conceitos mais bonitos diz que experiência é aquilo com o qual saímos transformados, a experiência não artificializa o vivido. Por que então depor nossos olhares num programa que artificializa a experiência sem abrir mão, contudo, do que sacrifica a nossa condição de humanos? Por que perseverar em torno do roteiro de um filme extenso que leva todos à exaustão? Por que cedemos a um espetáculo montado para ganhar dinheiro por meio de uma máquina tirânica cujas engrenagens moem a todos, os que estão dentro e fora da casa?

Desde a sua primeira edição, o Big Brother Brasil reafirma a lógica que cimenta o espetáculo da selvageria

Notem: minhas indagações não passam por uma estética do gosto (Big Brother é um programa ruim, despolitizado, uma vez que eu mesma usufruo de uma coleção de baboseiras), ou mesmo pela hierarquia da atenção (em vez de se assistir Big Brother pode-se assistir algo mais educativo), mas sinalizam para uma urgência política. Dizer que a assistência do BBB coexiste com a assistência e fruição de outros bens da indústria cultural é entrar no jogo das equivalências. Decididamente, BBB não se equivale nem ao mais pasteurizado dos programas. Ele nasce e floresce fora dos limites civilizatórios. Lucas Penteado fez uma trajetória errática dentro do BBB e, assim, ensinou involuntariamente que é impossível habitar a “casa mais vigiada do Brasil” na rubrica já posta. Assim como ele, desertemos: digamos não à tirania que drena nossa atenção e empobrece a nossa experiência.