Há brasileiros que já declararam que não irão às urnas porque temem situações de violência nos locais de votação. E há uma considerável parcela de cidadãos que receiam sofrer agressões físicas caso manifestem as suas opções partidárias. Esses medos e pavores deslocam, infeliz e perigosamente, o Brasil para bastante longe da democracia política (as democracias social, racial e de gênero, essas inexistem mesmo por esse chão).

As instituições estão funcionando normalmente desde 1985, mas isso não basta. É imprescindível ao regime democrático, obviamente, o funcionamento normal de todas as instituições, mas, repita-se, somente isso não basta. A democracia pressupõe a liberdade interior, a liberdade e um “estar à vontade emocional” de cada cidadão. A democracia pressupõe crítica e autocrítica. Aonde há medo, no caso o medo até de manifestação de preferência partidária, há a escravidão psíquica. Vai-se na contramão do Iluminismo. O medo é compreensível, uma vez que concorre no pleito o incumbente, após ele passar quatro anos atacando a democracia e amedrontando a sociedade com ameaças de golpe de Estado. Recorro, aqui, a Machado de Assis, o genial “Bruxo de Cosme Velho”, para ficarmos com a original e inteligente qualificação que lhe foi dada por Carlos Drummond de Andrade. Machado, que chegou a pegar no início da juventude os tempos do voto censitário (só votava quem comprovasse gorda renda fixa ou herança, o que não era seu caso), certa vez escreveu: “cumpre que os eleitores elejam, que se movam, que saiam de suas casas para correr às urnas, que se interessem, finalmente, pelo exercício do direito que a lei lhes deu (…)”.

Na mesma linha, e contra a linha golpista do incumbente, ao qual interessa a abstenção, escrevo eu: às urnas, cidadãos! Não façamos o jogo daquele que insuflou seus fanáticos seguidores a fechar o STF, a fechar o Congresso Nacional, a fechar o TSE. E tripudiou sobre as vítimas da Covid. Não cedamos àquele que ensanguentou as mãos de brasileiros com seus decretos irresponsáveis sobre a compra, a posse e o porte de armas, com o intuito de montar uma guarda pretoriana. Esse candidato quer os democratas longe das urnas, quer apenas a sua turminha votando. Ele, ao conseguir fazer com que uma parcela da população esteja com medo de pisar o local da votação, somente aí já apunhalou a democracia.

Em 2018, a abstenção na eleição presidencial chegou a 20,3%, algo em torno de trinta milhões de brasileiros. Isso não pode se repetir. A democracia como forma de regime de governo implica votação e a mais ampla e saudável liberdade de escolha e participação. Pregam o contrário os incumbentes negacionistas e saudosos da ditadura militar.