“Ele (Navalny) está sendo apoiado pelos serviços de inteligência dos EUA. Mas isso não quer dizer que ele precisa ser envenenado” Vladimir Putin, presidente da Rússia (Crédito:ALEXEY NIKOLSKY)

Vladimir Putin continua controlando a Rússia com mãos de ferro, mas está cada vez mais pressionado. Milhares de manifestantes foram às ruas nas últimas semanas, incluindo a capital Moscou, para protestar contra o atual presidente. Como sempre, o aparato de segurança foi feroz. Mais de 5 mil pessoas foram presas e conflitos violentos com a polícia foram registrados em quase 100 cidades. A complexa teia de problemas que cerca a política do país é composta de suspeitas de corrupção, ameaças de cerceamento de liberdade, crise econômica e erosão democrática. O maior crítico de Putin, Alexei Navalny, conseguiu personificar a insatisfação popular. Publicamente, os atos foram convocados em apoio a ele. O advogado de 44 anos ganhou fama ao promover manifestações contra o presidente em 2012 e 2017, em meio às eleições presidenciais. Condenado por fraude em 2014, crime que ele nega ter cometido, o ativista foi envenenado em agosto do ano passado e hospitalizado na Alemanha. O governo russo é apontado como autor do atentado, apesar das negativas oficiais. Ao retornar à Rússia no dia 17 de janeiro, ele foi preso no aeroporto de Moscou. Na última terça-feira, 2, a Justiça revogou sua liberdade condicional, com o argumento de que ele não compareceu a uma audiência. Ocorre que na ocasião ele estava hospitalizado, o que aumenta a suspeita de manipulação. A decisão foi criticada por países como EUA, Alemanha, França e Reino Unido.

A situação de Navalny ajuda a explicar a efervescência política na Rússia, mas não é o único motivo. “Há uma brincadeira entre analistas internacionais: o povo russo está entre a geladeira e a TV. Na televisão, há o discurso de um país forte e imponente. Na geladeira, falta comida e mantimentos. É um duelo entre o nacionalismo e a crise econômica que não para de se agravar”, argumenta Leonardo Trevisan, professor de geopolítica internacional da ESPM. “Ele (Navalny) é uma figura simbólica, mas tem só 4% de aprovação segundo pesquisas recentes. Uma coisa é certa: ele faz barulho”, completa. Após ser preso, Navalny divulgou em seu canal no Youtube uma reportagem de 50 minutos mostrando um suntuoso palácio de 17 mil metros quadrados na costa do Mar Negro que valeria mais de US$ 1 bilhão e teria sido dado a Putin pela “elite corrupta da Rússia”. O vídeo já foi reproduzido mais de 100 milhões de vezes. Putin negou as acusações em uma videoconferência com estudantes e disse que a propriedade não lhe pertence.

“O único método (de Putin) é matar pessoas. Por mais que finja ser um geopolítico, ele entrará na história como um envenenador” Alexei Navalny, ativista (Crédito:Moscow City Court)

Crise econômica

A Rússia tem lidado com sanções econômicas estabelecidas pela União Europeia desde 2014, após a anexação da Crimeia, em uma disputa com o governo da Ucrânia. No fim do ano passado, as limitações impostas pelo bloco europeu foram renovadas até julho de 2021. “Se juntarmos os efeitos devastadores das sanções em áreas como energia e defesa, e em paralelo colocarmos aí os efeitos da pandemia do coronavírus, o cenário econômico ficará muito delicado”, afirma Trevisan. A economia russa encolheu 4% em 2020 e tem previsão de alta de 2,6% neste ano, segundo dados do Banco Mundial divulgados em janeiro. Com a economia claudicante, a instabilidade aumentou significativamente. Também entra nesse caldo denso a reforma da previdência aprovada por Putin em 2019, que elevou a idade de aposentadoria no país — de 55 para 60 anos, para mulheres, e de 60 para 65, para homens. A expectativa média de vida de um homem russo é de 66 anos.

Putin está no poder desde 1999. A única vez em que deixou a cadeira de presidente foi para ser primeiro-ministro do presidente-fantoche Dmitri Medvedev, entre 2008 e 2012. Após a reforma constitucional ocorrida em julho do ano passado, e que foram avalizadas por um referendo popular, Putin garantiu para si a possibilidade de permanecer no Kremlin até 2036, quando terá 83 anos. Analistas afirmam que a mudança significou um duro golpe na democracia do país e serviu para fortalecer o plano do atual presidente de se perpetuar no cargo. “Se nós olharmos a força de uma democracia pelo fato de ocorrerem eleições, tudo bem. Mas o país não tem uma imprensa livre, por exemplo. As manifestações ocorridas foram convocadas e divulgadas pela embaixada dos EUA na internet. Se há alguma menção disso nas mídias oficiais, especialmente na TV, essa pessoa será presa. Em resumo, é uma democracia muito fragilizada”, afirma Trevisan. Quando Putin começará a ouvir o recado das ruas?


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias