Falta de recursos, de apoio e estrutura… Apesar de todos os obstáculos, não houve jeito de impedir que a seleção feminina da Jamaica, adversária do Brasil na estreia e que não existia há alguns anos, se classificasse pela primeira vez para a Copa do Mundo com a ajuda a filha de Bob Marley.

Antes de voar para a Copa do Mundo de 2019 na França, as ‘Reggae Girlz’ presentearam seus torcedores com uma bela vitória no Estádio Nacional de Kingston no dia 19 de maio sobre Panamá (3-1).

O espetáculo organizado durante esse amistoso teve cara de festival popular graças aos concertos de vuvuzelas e reggae, mas não conseguiu esconder as condições precárias de preparação para a 53ª equipe do ranking Fifa, a mais fraca da competição no papel.

Mas os problemas de som durante o hino nacional ou a ausência de um placar eletrônico, algo extremamente raro em um estádio onde são disputadas partidas internacionais, não pareceu perturbar as jogadoras, acostumadas a muito pior. Até a véspera dessa partida, elas sequer recebiam salário da federação.

“É um ponto de inflexão, elas merecem. Obviamente, foi preciso uma Copa do Mundo para chegar até aí, mas conseguiram”, declarou à AFP o técnico da equipe, Hue Menzies, que chegou tarde ao treino porque estava ocupado assinando os contratos das atletas.

As jogadoras, todas muito jovens, atuam em sua maioria a nível universitário nos Estados Unidos, embora algumas sequer tenham clubes.

Para esse treino, as meninas começaram o aquecimento sem seu técnico em um campo de terra em Kingston.

– “Pouquíssimos recursos” –

Com a classificação para sua primeira Copa do Mundo, as ‘Reggae Girlz’ repetiram a façanha alcançada pela seleção masculina em 1998, que também jogou na França seu primeiro Mundial. E todas têm noção de que a trajetória até este momento de glória foi bem mais difícil do que o caminho percorrido por seus pares.

“Com certeza nos classificamos com pouquíssimos recursos”, lembra a atacante Khadija Shaw, uma das estrelas da equipe e cobiçada por alguns clubes do Campeonato Francês.

“Quando se vê onde estava o programa para as mulheres há alguns anos, é genial”, diz.

Até pouco tempo atrás, esse programa simplesmente não existia. Após o fracasso nas eliminatórias para os Jogos Olímpicos de 2008, a equipe foi dissolvida pela federação da Jamaica, acabando com o financiamento.

Assim, após vários meses sem jogar, saiu até da Fifa em 2011.

Mas, em 2014, a chegada da filha de Bob Marley, Cedella Marley, mudou tudo.

A empresária, cantora, estilista e apaixonada por futebol encontrou patrocinadores, organizou rifas e se tornou uma embaixadora do futebol feminino não só em seu país, mas no mundo inteiro.

“Elas precisavam de ajuda, eram mulheres que tinham ouvido que não podiam praticar o esporte que amam, então nos metemos nessa história e aqui estamos!”, declarou Cedella Marley à AFP.

O Estádio Nacional mostrou toda sua gratidão com uma sonora ovação, enquanto Cedella abraçava suas ‘Reggae Girlz’, que levam com orgulho a logo da Fundação Bob Marley em suas camisas.

– Poder feminino –

“Ela assumiu riscos por nós, esteve com a gente desde o início”, agradeceu o técnico Menzies.

Esse investimento também ajudou a manter a equipe ativa, usando sua influência, especialmente nos Estados Unidos, para encontrar clubes e universidades que pudessem acolher as jogadoras.

“As meninas foram levadas da Jamaica para poder se formarem, não tinham recursos e converteram o negativo em algo positivo”, comemorou.

“Fizemos isso por algo maior que o esporte, queríamos mudar a forma que o futebol feminino e o esporte feminino são vistos no geral. Há um grande processo no mundo, não só na Jamaica”, declarou Cedella.

“Podemos fazer tudo que os garotos fazem!”, afirmou.

As jogadoras são conscientes de que se tornaram exemplos. “Para as meninas na Jamaica e no Caribe é muito importante. Somos o primeiro passo para mostrar que podem fazer muitas coisas”, explicou a capitã Konya Plummer.

Para esta edição da Copa do Mundo, a Fifa duplicou o valor da premiação para as seleções classificadas de 15 para 30 milhões de dólares. No ano passado, a Copa do Mundo masculina, na Rússia, repartiu 400 milhões de dólares para as equipes.

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