Com a proximidade do segundo turno das eleições francesas, realizado neste domingo, 7, mais de 200 candidatos de Macron que ficaram em terceiro no 1º turno se retiraram das legislativas para tentar frear a conquista de uma maioria absoluta por parte da extrema direita.

+ Onda reacionária na Europa e ressurgimento de Trump: como isso pode afetar o Brasil?

+ Eleições na França: o que pode acontecer após o segundo turno e os desafios para Macron

O partido RN (Reagrupamento Nacional), de Marine Le Pen, e seus aliados saíram vencedores do primeiro turno das eleições francesas, realizado no dia 30 de junho, e tinham projeções de conseguir eleger 289 membros para o Parlamento.

Perante esse cenário, a legenda de esquerda NFP (Nova Frente Parlamentar) e a de centro-direita Renascimento, liderada pelo presidente Emmanuel Macron, decidiram reativar a chamada “frente republicana”, na tentativa de barrar a ascensão da extrema direita ao poder, algo que o candidato a primeiro-ministro pelo RN, Jardon Bardella, classificou como “alianças de desonra”.

A manobra, porém, não garante que o eleitorado irá seguir as orientações da legenda e votar no candidato indicado por ela, pois as pessoas têm suas próprias convicções, conforme explica Thómas Zicman de Barros, doutor em ciência política e pesquisador na Universidade do Minho, em Portugal, e da Sciences Po, em Paris, França.

Mesmo tendo de enfrentar um cenário diferente do primeiro turno, o RN ainda tem força. Em entrevista a uma rádio francesa na terça-feira, 2, Marine Le Pen afirmou que, se conseguir eleger em torno de 270 deputados da legenda, pode negociar individualmente com outros parlamentares para tentar convencê-los a firmar um acordo.

As razões para a adesão francesa à direita radical

Moderação do Reagrupamento Nacional

Quando fundado em 1972 por Jean-Marie Le Pen — pai de Marine Le Pen —, os membros do partido acreditavam que a democracia estava condenada ao fracasso e defendiam a restauração dos valores da família conservadora, o combate ao comunismo e tinham discurso anti-imigração.

Jean-Marie era abertamente racista, tinha discurso antissemita e minimizava publicamente o Holocausto. “Os discursos dele tinham o intuito de chocar, pois ele acreditava que assim poderia mobilizar as pessoas revoltadas”, explica Thomás.

Jean-Marie se candidatou cinco vezes à Presidência da França, mas nunca saiu vencedor. Em 2011, deixou o comando do partido, que foi assumido por Marine Le Pen. A partir desse momento, a sigla se distanciou dos comentários antissemitas de seu pai e, em 2018, renomeou o partido para Reagrupamento Nacional.

“No entanto, ao analisarmos a história da França, conseguimos observar que a extrema direita esteve presente desde a Revolução Francesa. Tivemos a ocupação colaboracionista nazista durante o governo de Vichy e, antes disso, houve o caso de perseguição antissemita”, afirma Thomás.

Com isso foi criada uma barreira para a ascensão da extrema direita na França, que não conseguia chegar ao poder desde 1945. Com o passar dos anos, a resistência foi diluída tanto pelo ‘fantasma’ da Segunda Guerra Mundial ter ficado para trás quanto pelo esforço da extrema direita de moderar o seu discurso, argumenta Leandro Consentino, cientista político e professor de relações internacionais do Insper.

Descontentamento

O aumento da popularidade da extrema direita na França também foi impulsionado pela insatisfação generalizada da população com políticos de ocasião, à medida que a população passou a enfrentar uma crescente precarização na vida cotidiana e no mercado de trabalho, juntamente com uma redução no poder de compra.

“Se pensarmos nas gestões de Nicolas Sarkozy, de centro-direita, François Hollande, de centro-esquerda, e Emmanuel Macron, que no princípio se apresentou como centro, ocorreram mudanças parecidas na vida dos franceses. Então as pessoas passaram a querer votar em candidatos que pareçam estar fora do sistema”, esclarece Thomás.

Redes sociais

Outro fenômeno importante foi a ascensão das redes sociais, ambiente que a extrema direita soube usar muito bem para acirrar os conflitos e disseminar suas ideias.

“As redes sociais ajudaram a potencializar o discurso que hoje é caro para os franceses: a imigração, que é resultado da globalização”, explica Leandro Consentino.

Além disso, houve uma mudança de postura notável, exemplificada pela preparação de Jordan Bardella com um media trainer, visando construir sua imagem como um jovem de 28 anos gentil, simpático e sorridente, mas ao mesmo tempo com um lado rebelde que utiliza o TikTok para disseminar suas mensagens.

Além disso, houve uma mudança de postura notável, exemplificada pela preparação de Jordan Bardella com um media trainer, visando construir sua imagem como um jovem de 28 anos gentil, simpático e sorridente, mas ao mesmo tempo com um lado rebelde que utiliza o TikTok para disseminar suas mensagens.

Normalização de discursos

Por fim, na visão de Thomás, outro aspecto importante que ocorreu na França foi a normalização de discursos da extrema direita. Além da suavização dos discursos, algumas ideias desse espectro político passaram a ser incorporadas por partidos que se apresentavam como republicanos.

“Ao longo do tempo, essas legendas passaram a flertar com as ideias da extrema direita e reproduzi-las. Então, nos últimos 40 anos, vimos uma série de movimentos de atores de centro (tanto políticos quanto a imprensa) que passaram a contribuir para a normalização de falas racistas, contra imigrantes, contra a questão de gênero e a redução de pânico moral em relação à violência. Tudo isso também deu mais palanque para a extrema direita”, finalizou Thomás.