Duas forças se somam em “Joaquim” para tornar o filme bem mais que um retrato heroico da figura de Tiradentes. A primeira é a complexidade do protagonista. Em sua jornada de conhecimento, o alferes da Guarda Real abandona a aspiração ao cargo de tenente para se tornar um rebelde dedicado à luta contra o domínio colonial português. Como o filme mostra já na impactante cena de abertura, a causa libertária faria dele um mártir, condenado e esquartejado por traição à Coroa. Sua tomada de consciência política é excepcionalmente interpretada pelo ator Julio Machado, uma das grandes surpresas do filme que entra em cartaz nos cinemas brasileiros na quinta-feira 20.

A outra força que torna “Joaquim” grande é o modo sutil como o diretor Marcelo Gomes capta as mazelas da colonização e suas consequências para a realidade do Brasil de hoje. “Era impressionante como eu via as fraturas sociais do colonialismo estarem, de uma forma ou de outra, reproduzidas e redimensionadas na sociedade brasileira atual”, afirmou o diretor. Talvez resida aí a razão de o filme ter sido selecionado para a mostra competitiva do Festival de Cinema de Berlim, em fevereiro. Mesmo sem ter conquistado o Urso de Ouro na Berlinale, “Joaquim” mereceu elogios da crítica internacional. Por seu ritmo lento e com uma narrativa quase existencialista, o filme tende a agradar mais os cinéfilos do que o grande público.

“As fraturas sociais do colonialismo estão reproduzidas e redimensionadas no Brasil atual” Marcelo Gomes, diretor de “Joaquim”
“As fraturas sociais do colonialismo estão reproduzidas e redimensionadas no Brasil atual” Marcelo Gomes, diretor de “Joaquim”

Na trama, que combina ficção e realidade, a “Colônia dos Brasis” enfrenta a decadência do ciclo de exploração do ouro. Joaquim, militar nascido no Brasil cujo cargo exige capturar contrabandistas do minério, sonha com uma promoção a tenente.

Quando é designado para prospectar novas minas no território conhecido como Sertão Proibido, ele vê a chance de enriquecer. Sua obstinação é formar uma tropa e encontrar Preta (Isabél Zuaa), escrava que fugira após matar uma autoridade portuguesa. Sua expedição resume a sociedade da época: há um português, um brasileiro, um índio e um escravo.

Cada um tem sua visão própria da empreitada e da condição em que vive. Mas é o alferes quem regressa mudado. Ele decide reagir contra a autoritária e corrupta dominação portuguesa. Sua mente tão inquieta quanto porosa é preenchida com as ideias que haviam levado à independência dos Estados Unidos. Um poeta o abastece com livros que o levam a crer numa sociedade livre e igualitária, da qual ele passa a ser uma espécie de mensageiro. Como é sabido, seu sonho de independência terminou em decapitação.