As pesquisas eleitorais só trazem más notícias para Bolsonaro, e a última rodada de levantamentos foi uma verdadeira pá de cal. Desde 1989, o voto para presidente nunca esteve tão decidido. O Datafolha mais recente mostra que sete em cada dez brasileiros já escolheram o candidato a dois meses do pleito. São mínimas as chances de uma reviravolta. O atual mandatário deve se tornar o primeiro a perder a reeleição desde a redemocratização.

Cresce o desespero dele com a possibilidade de ser preso após deixar o Planalto. Dois ex-presidentes já conhecem o cárcere: Lula e Michel Temer. As chances de Bolsonaro ter esse destino são enormes pelos crimes em série que cometeu, especialmente durante a pandemia. Os mais de 100 processos que enfrenta na Justiça comum, além daqueles que estão no STF, o aguardam quando não estiver mais protegido pelo foro privilegiado e blindado por um PGR servil.

Daí as tratativas frenéticas para uma saída antixilindró, desde uma PEC que lhe um mandato vitalício de senador até um grande acordão com o PT para livrá-lo da cadeia em troca de um pacto de não-agressão em um terceiro mandato de Lula. Até agora o petista não fisgou a isca. Espera-se que nenhuma medida nesse sentido prospere, o que contribuiria para fragilizar a Justiça, que até agora não conseguiu explicar as reviravoltas na Lava Jato.

Juntamente com as últimas pesquisas, surgiu um novo fato político ainda pior para o capitão. A Carta aos Brasileiros, que será lida no dia 11 de agosto, fez mais estragos aos planos de Bolsonaro do que se podia prever. Transformou a resistência ao bolsonarismo em um movimento suprapartidário, uma cruzada nacional em defesa da democracia e das instituições. Pela gravidade do momento, por seu histórico e pela posição que ocupam, os signatários projetam o mesmo peso moral que os autores da carta original alcançaram na década de 1970 contra o regime militar.

Não se trata mais de escolher o próximo presidente. A mobilização agora é pela preservação da Constituição de 1988. O novo documento também não é um endosso a Lula, já que há assinaturas de vários adversários do petismo. O ex-presidente é um beneficiário óbvio, mas não encarna pessoalmente o espírito do movimento. A Carta colocou em marcha o País contra Bolsonaro e suas ameaças à democracia.

Mais do que galvanizar a sociedade civil, a ação iniciada por juristas e empresários encurralou o mandatário, deixando o bolsonarismo sem discurso. Para atacar o manifesto, os radicais são obrigados a atacar a própria democracia. Bolsonaro tem feito isso sistematicamente desde que ganhou as eleições atacando a Justiça e as mesmas urnas eletrônicas que agora acusa de fraude, mas ficou sem chão a dois meses do pleito, pois é obrigado a admitir, no plano da retórica, que não faz nada além de preparar um golpe.

As franjas extremistas tentaram reagir, mas não há como se contrapor à peça original. O representante de um Movimento dos Advogados de Direita lançou um Manifesto à Nação “buscando estabelecer a realidade dos fatos e mostrar que não é somente uma elite dominante que ocupa posições de poder que podem definir, influenciar e impor suas visões tecnocratas de ‘democracia'”, segundo declarou à “Folha de S.Paulo”. A ideia é transformar as duas iniciativas em uma guerra de abaixo-assinados. A “raiz” democrática conta com quase 700 mil nomes. A nutella golpista já passou disso. Mas não se trata de uma batalha de números, é óbvio.

Em 1977, Gofredo da Silva Telles enfrentava os quartéis e os porões da ditadura. Agora, os defensores da Carta precisam lidar com as fake news. Obviamente esse embate não será resolvido no jogo sujo e subterrâneo fomentado pelas redes sociais. Trata-se de uma disputa moral que coloca em jogo os alicerces do contrato social negociado por décadas sobre a ruína da última aventura militar. Guerrilheiros na internet movidos a memes não têm como vencer esse confronto, ainda mais liderados por um capitão que foi expulso do próprio Exército por não ter qualificação para representar a instituição.

O serviço de inteligência do governo militar, há 45 anos, não entendeu o confronto que ganhava dimensão e levou ao colapso do regime. Agora, o presidente e suas milícias digitais também se mostram perdidos. Bolsonaro tentou fazer uma ironia à Carta aos Brasileiros no Twitter: “Por meio desta, manifesto que sou a favor da democracia”. Como continuou nas cordas, foi mais explícito. Chamou os signatários (inclusive 12 ex-ministros do STF) de “caras de pau sem caráter”. São sinais de desconexão com a realidade.

Agosto é o mês-chave para a política do Brasil, e 2022 confirma a tradição. Em 11 de agosto será praticamente selado o destino de Bolsonaro e de suas tentativas de subverter a ordem constitucional. O destempero verbal e a agonia exaltada que ele exibe mostram que o próximo Sete de Setembro, com tanques e manifestantes, dificilmente será sua marcha da vitória. Ao contrário, o espetáculo pode representar seu canto do cisne.