Explosão do gasoduto em setembro de 2022 interrompeu polêmico megaprojeto germano-russo. Prisão de ucraniano abre questionamentos sobre responsáveis pelo suposto ato de sabotagem.Classificado pelo Ministério da Justiça alemão como um "impressionante sucesso de investigação", a prisão do primeiro suspeito pela explosão do gasoduto Nord Stream na última quinta-feira (21/08) abriu questionamentos sobre os reais responsáveis pela operação que agravou a crise de fornecimento de energia na Europa e, em especial, na Alemanha.
Segundo a Procuradoria Federal alemã, o suspeito, um ucraniano identificado como Serhii K., integrava o grupo que teria colocado quatro explosivos nos gasodutos perto da ilha dinamarquesa de Bornholm, utilizando um veleiro que partiu de Rostock, na Alemanha.
Segundo documentos obtidos pela imprensa alemã, ele é tomado pelas autoridades como um dos coordenadores do ataque. A prisão foi feita pela polícia italiana nas proximidades da cidade de Rimini, no Mar Adriático. Uma corte italiana ainda julgará se Serhii K. será transferido para a Alemanha.
Vínculos com Kiev?
O principal questionamento levantado sobre a participação de Serhii no suposto ato de sabotagem é se ele teria seguido ordem do governo ucraniano ou de líderes militares.
Uma investigação dos veículos alemães ARD, Süddeutsche Zeitung e Zeit, aponta que investigadores acreditam ter identificado vários suspeitos ucranianos, entre civis e militares ativos e aposentados.
Uma confirmação deste vínculo poderia comprometer a relação entre Alemanha e Ucrânia e pressionar o apoio militar e financeiro que Berlim envia a Kiev na guerra contra a Rússia.
Em 2024, os investigadores tentaram prender outro ucraniano suspeito de ter cometido o ato. Na ocasião, Zelenski negou o envolvimento de seu governo nos ataques.
A política alemã pró-Rússia Sahra Wagenknecht, líder do partido populista de esquerda Aliança Sarah Wagenknecht (BSW), disse à agência de notícias Reuters que seria "completamente absurdo" imaginar que o suspeito tenha atuado "sem o apoio dos líderes ucranianos e do governo Biden nos Estados Unidos".
Por isso, ela defende que o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, também preste depoimento à comissão de investigação alemã. "É absurdo que a Alemanha gaste bilhões em ajuda à Ucrânia e nunca tenha exigido explicações de Zelenski", afirmou.
Já o político dos Verdes e especialista em inteligência, Konstantin von Notz, rechaçou o que considera teorias conspiratórias e pediu mais confiança no Estado de direito. A ministra da Justiça da Alemanha, Stefanie Hubig, ressaltou, após a prisão, que a posição da Alemanha em relação à guerra da Rússia contra a Ucrânia não mudará. "Continuamos firmes, politicamente, ao lado da Ucrânia", disse.
Com Dinamarca e Suécia tendo encerrado suas investigações em fevereiro de 2024, a Alemanha é agora o único país que apura oficialmente o caso.
A cronologia do caso Nord Stream
O Nord Stream é um megaprojeto russo-alemão que enfrentou oposição desde o início, incluindo Polônia, Estados Unidos, países bálticos e, principalmente, a Ucrânia desde o início da guerra. A principal questão sempre foi: quem se beneficia da explosão?
2005: O governo alemão, sob a gestão do então chanceler federal social-democrata, Gerhard Schröder (SPD), juntamente ao governo russo, já com o presidente Vladimir Putin no poder, assinam uma declaração de intenção para construir o gasoduto Nord Stream 1, destinado a levar gás da Rússia para a Alemanha, através do Mar Báltico. As primeiras propostas da ideia já haviam sido feitas na década de 90.
2006: É fundada a empresa Nord Stream AG para planejar e implementar o projeto. A estatal russa Gazprom e vários fornecedores europeus de energia se envolvem no projeto, porque não só a Alemanha, mas também outros países europeus, têm interesse no fornecimento de gás russo.
2010: Começa a construção do Nord Stream 1. O gasoduto de tubo duplo, cada um com 1.224 quilômetros de extensão, conecta Wyborg, na Rússia, a Lubmin, no estado alemão de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental.
2011/2012: Os dois tubos entram em funcionamento e a operadora informa que eles deverão abastecer a Europa com gás durante pelo menos 50 anos. Os custos de construção são de 7,4 bilhões de euros (R$ 44 bilhões, na cotação atual), segundo a Nord Stream AG.
Vista grossa para a anexação da Crimeia pela Rússia
2013: Começa o planejamento do Nord Stream 2: duas linhas adicionais de 1.250 km de comprimento, que funcionarão paralelas às tubulações existentes da Rússia à Alemanha.
2015: São assinados os primeiros contratos do Nord Stream 2. A Gazprom e vários fornecedores europeus de energia se envolvem novamente no projeto. Apenas um ano antes, a Rússia havia anexado ilegalmente a península ucraniana da Crimeia. No entanto, para a então chanceler federal conservadora, Angela Merkel (CDU), isto não é motivo para parar o projeto.
Cresce resistência ao projeto
2016: Desde o início, a Ucrânia, a Polônia e os Estados Bálticos, em especial, tiveram preocupações sobre o Nord Stream, citando interesses de segurança. Após a anexação da Crimeia, eles começaram a expressar suas dúvidas com mais veemência. A União Europeia também alerta.
Depois da eleição de Donald Trump como presidente americano, a resistência ao Nord Stream nos EUA também aumenta. Trump adverte contra a dependência excessiva da Alemanha do fornecimento de energia russo.
O governo alemão ignora todas as preocupações e apresenta o Nord Stream não apenas como uma resposta à segurança do abastecimento energético da Europa, mas também como um instrumento para garantir a paz através do comércio.
2018: Começa a construção do Nord Stream 2. Merkel admite, pela primeira vez, que não se trata apenas de um projeto do setor privado e que "é claro que fatores políticos também devem ser levados em consideração". No entanto, parar o projeto está fora de questão para a Alemanha.
2019: Os EUA aumentam o tom, ameaçando sanções. Richard Grenell, então embaixador dos EUA na Alemanha, escreve cartas ameaçadoras para empresas alemãs envolvidas no Nord Stream.
2021: O Nord Stream 2 é concluído. Pouco depois de assumir o cargo, em dezembro, o chanceler federal alemão, Olaf Scholz(SPD), manifesta-se contra a interrupção do projeto por razões políticas. Ele descreve o gasoduto como um "projeto do setor privado" que deve ser avaliado independentemente das relações com a Rússia, que estão cada vez mais complicadas.
Guerra na Ucrânia muda tudo
22 de fevereiro de 2022: na iminência do começo de uma agressão russa à Ucrânia, Scholz ordena que a certificação do Nord Stream 2 e, portanto, o processo de aprovação sejam suspensos.
24 de fevereiro de 2022: A Rússia invade a Ucrânia dando início à guerra – e os críticos do Nord Stream se sentem justificados. O fornecimento de gás via Nord Stream 1 continua, mas devido às sanções da UE contra a Rússia, o volume recebido pelos Estados-membros é reduzido.
Julho/agosto de 2022: A Rússia fecha o Nord Stream 1, alegando manutenção. O fornecimento demora a ser restabelecido e a Gazprom culpa uma turbina defeituosa. O fornecimento de gás é retomado posteriormente, mas de forma limitada. No final de agosto, é interrompido totalmente. O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, diz que ele só será retomado quando as sanções contra a Rússia forem suspensas.
Quem está por trás da explosão?
26 de setembro de 2022: Ambos os trechos do gasoduto Nord Stream 1 e um dos dois trechos do Nord Stream 2 perto da ilha dinamarquesa de Bornholm explodem.Alemanha, Dinamarca e Suécia começam investigações.
2023: Com o tempo, várias teorias são apresentadas sobre quem poderia estar por trás dos ataques. O jornalista investigativo americano Seymour Hersh, sem apresentar evidências, afirma que os EUA e a Noruega explodiram os gasodutos.
Agosto de 2024: a Procuradoria-Geral alemã emite uma ordem de prisão contra um ucraniano por suspeita de envolvimento na sabotagem. Segundo a imprensa alemã, um suspeito foi visto pela última vez na Polônia e, desde o começo de julho, estaria na Ucrânia.
As autoridades polonesas afirmam que a fuga do suspeito foi possível porque a Alemanha não havia incluído o nome dele na lista de procurados em todo o espaço Schengen.
21 de agosto de 2025: Carabineiros italianos prendem Serhii K., ucraniano procurado pela Alemanha, no Mar Adriático.
Próximos passos
A operação plena do Nord Stream ainda não está descartada e pode se tornar tema de acordo entre EUA e Rússia para resolver a guerra na Ucrânia. O ministro russo das Relações Exteriores, Serguei Lavrov, já afirmou em março à TV estatal que o gasoduto é tópico nas conversas de paz.