DESISTÊNCIA Wilson Ferreira Júnior deixa a Eletrobras sem concretizar a privatização preparada por quatro anos (Crédito:Leo Pinheiro)

Quando os historiadores escreverem a história do Brasil do começo do século XXI, certamente Paulo Guedes não terá seu nome registrado da forma que tanto deseja. A sua revolução liberal não apenas naufragou. Nunca começou. A renúncia do presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Júnior, anunciada no dia 25, sela o fracasso do plano de privatizações que ia gerar “R$ 1,25 trilhão para o País”. Nada foi privatizado, nem deve ser na gestão Bolsonaro.
A Eletrobras era um símbolo da desestatização. Ferreira Júnior havia assumido com a proposta de preparar a transição e enxugar a companhia em mais uma de suas crises. Fundada há quase 60 anos, ela era famosa pela ineficiência e por abrigar interesses políticos. Atualmente tem 14 mil funcionários e responde por 44,7% da transmissão e 7% da distribuição de eletricidade do País. Seu alto endividamento foi equacionado e reduzido pelo novo gestor, que preparava sua transformação em uma corporação com a maior parte das ações na mão de investidores privados. Foi o caminho adotado pelas antigas estatais de eletricidade da Europa, com sucesso. Essa arquitetura corporativa foi desenhada na gestão Temer junto com o teto de gastos, para controlar a dívida pública, e a Reforma da Previdência, para conter e dar mais isonomia aos gastos com aposentadorias. Essas duas últimas mudanças foram efetivadas e, até o momento, ainda trazem alguma confiança para a solvência da dívida pública.

Risco fisiológico

A renúncia de Ferreira Júnior é o abandono desse projeto de racionalização da máquina pública. As ações da companhia despencaram mais de 10% na Bolsa de Nova York. Apesar das manifestações da Eletrobras de que um novo executivo comprometido com a profissionalização da empresa será contratado, há poucas dúvidas de que essa gigante estatal voltará por gravidade à ação fisiológica. Para comprovar esse fato, o franco favorito na disputa à presidência do Senado, Rodrigo Pacheco, do DEM, é um dos principais críticos dessa privatização. Há uma ampla rede de interesses no Congresso de olho nos dividendos que a estatal é capaz de oferecer. E a prioridade absoluta do presidente é afastar o risco do impeachment e dar mais espaço ao Centrão, ávido por cargos e contratos. É o destino provável da Eletrobras.

Essa não foi a única péssima notícia que pegou o mercado de surpresa nas últimas semanas. O presidente do Banco do Brasil, André Brandão, quase foi demitido após anunciar o fechamento de 112 agências e a demissão de 5 mil funcionários no dia 11. Bolsonaro se irritou com esse anúncio e queria anular a medida. É mais uma prova de que o presidente pretende manter a ingerência política nas estatais. Paulo Guedes conseguiu convencer o mandatário a abortar a demissão. Mas a queda de mais de 4% nas ações da instituição mostra que há cada vez mais desconfiança — para não dizer certeza— sobre a volta do populismo econômico, que afetaria toda a economia.

ESTATAL Termoelétrica Jorge Lacerda, em Santa Catarina. Eletrobras tem 14 mil funcionários e responde por 44,7% da transmissão de eletricidade do País (Crédito:Divulgação)
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O presidente, por exemplo, já reduziu a tarifa de importações de pneus a pedido de caminhoneiros e estuda zerar a tarifa de importação do diesel. A Petrobras sofre pressão para evitar aumentos nos combustíveis num momento em que a inflação está em alta. Os preços do GLP e do próprio diesel estão defasados. Fazer um programa de privatizações vai contra os princípios do presidente, como já demonstrou em quase 30 anos no Congresso. Iria contradizer seus interesses políticos e corporativos, que sempre prevaleceram. Mas não é só. Para Paulo Roberto Feldmann, professor Livre Docente da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), há ainda um problema fundamental na equipe de Guedes: a falta de conhecimento da administração pública. “O Bolsonaro chamou para a sua Secretaria de Desestatização o Salim Mattar, que saiu no ano passado. Ele é um empresário bem-sucedido, mas não sabe como funciona a máquina. Acabou saindo sem privatizar nada”, afirma.

“Até a Ceagesp o presidente já anunciou que não vai privatizar para atingir o governador João Doria, mas o próprio presidente havia assinado sua inclusão no plano de desestatização”, espanta-se Mailson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda e sócio da consultoria Tendências. A fuga de investidores e a retomada cada vez mais difícil mostram que a história se repete. A ingerência política nas estatais foi uma das razões do desastre econômico da gestão Dilma Rousseff. Agora, o mercado já começa a precificar o custo Bolsonaro.

Colaborou Guilherme Henrique