Ricardo Moraes

Imortalizada na voz da igualmente imortal Elis Regina, a música de Tavito e Zé Rodrix nunca fora tão atual: “eu quero uma casa no campo, onde eu possa ficar do tamanho da paz”. Fenômeno igual ocorre com um dos clássicos de Dorival Caymmi: “o mar quando quebra na praia é bonito!”. Sufocadas por uma cinzenta selva de pedras de edifícios nos grandes centros urbanos e ilhadas por um vírus fatal que ataca por todos os lados, é mais que normal que muitas e muitas pessoas busquem ambientes da natureza, a exemplo do campo e do mar, como válvula de escape para quase cem dias de quarentena — mesmo sabendo que aumentam para si e aos outros o risco de contaminação. Há aqueles que nas primeiras horas confundiram o isolamento com férias, passeios e churrasquinho. Mas há também os que suportaram firmes e agora não aguentam mais. Na verdade, não é de hoje que o verde de parques e o azul do mar exercem influências tranquilizadoras sobre homens e mulheres ­— a diferença é que, agora, isso se faz mais necessário e visível que em qualquer outro momento de um passado recente. Colhidas pelas retinas e transmitidas às substâncias eletroquímicas do cérebro, as cores podem nos excitar, acalmar, revigorar e desatar nós que trazemos na garganta. Como já se disse, funcionam como válvulas de escape. “A quarentena é mais que necessária, mas isso não significa que não chegue uma hora que as paredes asfixiam”, diz a paulista Laís Corveloni. “Eu ia à janela para desanuviar, mas aí dava de cara com mais cimento do prédio da frente. Fui à praia, fiquei isolada e me fez muito bem”.

O poeta Goethe e a teoria das cores

Laís, que é fotógrafa de ensaios femininos, não tem obrigação de saber o motivo pelo qual o mar da praia de Maresias, no litoral norte de São Paulo, lhe foi apaziguador. Mas estudos científicos explicam a razão: o verde de árvores do campo ou o verde-azul do mar reduzem o estresse e a tensão a ponto de induzirem ao sono. Nesses tempos difíceis, são indispensáveis os ensinamentos do enfermeiro intensivista Nélio Barbosa Boccanera, da psicóloga e enfermeira Sulvia Fernandes Borges Boccanera e da professora Maria Alves Barbosa, no excelente estudo “Color in the intensive therapy environment: perceptions of patients and professionals”. Dizem eles: “o verde é uma cor fria, acalmando tanto física quanto mentalmente (…) atua sobre o sistema nervoso simpático, além de aliviar a tensão dos vasos sanguíneos e diminuir a pressão arterial. É considerado uma cor tranquilizante (…)”. E o azul, como o mar? “(…) reduz o estresse”.

“Eu ia à janela para desanuviar, mas aí dava de cara com o prédio da frente. Fui à praia. O mar me fez bem” Laís Corvelone, fotógrafa de ensaios femininos (Crédito:Divulgação)

O corpo tomado por uma energia, os músculos acalmados, e, logo em seguida, o organismo pronto para seguir a rotina desgastante de quem mora na maior metrópole do País: é assim que o advogado Pedro Cafaro, se sente depois de abandonar o seu apartamento em São Paulo e refugiar-se por uns dias na cidade mineira de Monte Verde. “Ficar sequestrado em sua própria casa é angustiante”, diz ele. A vontade se impôs na sua alma como uma ordem e Pedro decidiu obedecê-la: “estar no campo é como recarregar as energias. Acalma”. De fato, as sensações corporais de Pedro estão certas. A Universidade de Exeter, na Inglaterra, ensina que viver em áreas arborizadas reduz o estresse e a ansiedade. Assim, os parques dentro de centros urbanos vão muito além do lazer dos cidadãos: podem até ser considerados caso de saúde pública.

Essa questão, do verde do campo e do azul do mar, está diretamente relacionada com a consequência psicológica das cores no cérebro humano. O poeta e pintor alemão Johann Goethe, além de gênio com as palavras, também foi essencial para entendermos a psicologia das cores. Ele escreveu o clássico “Teoria da Cor” e concluiu que tons frios despertam sensações de calma e suavidade. “Azul é a cor mais presente na natureza e o verde está sempre no meio do caminho”, diz o psiquiatra e psicoterapeuta da USP, Wilson Joaquim. “A luz induz à produção de serotonina e, por isso, na praia ou no campo há a sensação de bem-estar, pelo fato de a luz ser muito mais intensa”, diz ele. De volta à música, pois, se com música começamos, acabemos também com ela: Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli ganharam o Brasil no ápice da Bossa Nova, transmitindo calma: “volta do mar, desmaia o sol (…) e a vontade de cantar, céu tão azul, tudo isso é paz…”.

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias