O mundo vive um paradoxo no cenário da saúde. Ao mesmo tempo em que os avanços tecnológicos surgem constantemente para aprimorar os tratamentos médicos, os custos para desenvolver e implantar estas mesmas ferramentas ficam cada vez mais altos e o acesso a elas, mais difícil. Encontrar uma fórmula que contemple o financiamento para a criação de novos recursos e os gastos com a assistência é um desafio. Na opinião do médico americano Scott Atlas, 63 anos, da Universidade Stanford, a saída para assegurar que todos sejam atendidos é deixar o assunto com o mercado privado, estimulando a competição com o cuidado de garantir que as populações carentes recebam auxílio dos governos para conseguir pagar pelos produtos. “Os estados administram a saúde com ineficiência e desperdício”, afirma o neurorradiologista. Integrante de algumas das comissões que escolheram o Prêmio Nobel de Medicina e estudioso de temas relacionados à gestão de saúde, Atlas esteve recentemente no Brasil participando do lançamento da techtools, nova incubadora de startups focadas em inovações tecnológicas, e concedeu a seguinte entrevista à ISTOÉ.

Todas as projeções de estudiosos e organismos como a Organização Mundial de Saúde indicam o crescimento mundial de casos de doenças crônicas. O que isso coloca de desafios para os gestores de saúde?

A realidade demográfica é que, enquanto o mundo melhora tratamentos de infecções e de nutrição, há aumento de enfermidades crônicas como as cardíacas e o câncer. São doenças caras para diagnosticar e tratar porque dependem da tecnologia, de drogas e de diagnósticos por imagem. Em adição a isso, as populações estão envelhecendo por conta do aumento da expectativa de vida. Os desafios começam porque conforme aumenta a qualidade de vida e a longevidade, as pessoas estão tendo doenças cada vez mais caras.

Quanto elas custam?

São gastos muito altos, e não só em termos financeiros, mas também em perda de anos de vida. Sabemos, por exemplo, que as pessoas perdem de dez a vinte anos na expectativa de vida se tiveram um infarto aos quarenta anos. É uma redução agressiva de expectativa de vida e isso é um custo para a sociedade. Além disso, há enfermidades associadas a fatores de risco como diabete, pressão alta e obesidade. Elas adicionam bilhões de dólares por ano em custos.

Há uma conta para a obesidade, por exemplo?

No Brasil, os gastos relacionados a complicações causadas pelo excesso de peso estão por volta de US$ 5 bilhões ao ano. É um tremendo estresse para o sistema. Nos Estados Unidos, se pudéssemos parar somente o crescimento da obesidade economizaríamos US$ 500 bilhões pelos próximos dez anos. Obesidade é uma questão de estilo de vida e isso demanda uma enorme carga de educação pública. As pessoas precisam entender os fatores de risco provocados por seu estilo de vida. Tratamento médico não vai parar a obesidade sozinho.

As doenças neurodegenerativas estão entre os problemas do envelhecimento. Qual a melhor maneira de lidar com pacientes nessas condições?

Vemos um aumento global de demência e doença de Alzheimer. Acima de 75 anos, o risco de ter a enfermidade é de 40% a 50%. Aqui há também um fardo econômico se aproximando para cuidar destas pessoas que vão viver, mas de uma forma muito limitada, demandando grande cuidado. Esta realidade mostra a necessidade de inovação contínua porque precisamos criar tratamentos efetivos que diminuirão os gastos. O jeito de ter este desenvolvimento é apostar em novas tecnologias como testes e tratamentos genéticos e imagens precisas.

Como tudo isso pode ajudar?

As drogas que foram desenvolvidas contra o Alzheimer falharam. Não há cura nem tratamento efetivo. Fizemos um mau trabalho identificando quem realmente tem a doença. O diagnóstico clínico feito pelo médico é só 80% acurado. Muitas pessoas entraram em testes de medicamentos sem ter realmente a doença. Deste jeito as drogas não serão descobertas. Quando definirmos o processo de diagnóstico exato com tecnologia específica, quando entendermos o que está de fato acontecendo no cérebro dos pacientes, teremos certeza de estarmos colocando os pacientes certos nos estudos. Seremos mais eficientes para descobrir os tratamento apropriados.

Há muita dificuldade de acesso aos sistemas de saúde. O programa criado pelo ex-presidente americano Barack Obama, o Obamacare, foi considerado por muitos uma saída. Concorda com a visão?

A intenção do Obamacare era dar mais seguros de saúde para a população carente e reduzir o custo dos tratamentos. Mas não funcionou. O que ele fez foi adicionar grande regulação governamental e expandir o programa que já existia. As taxas e regras instituídas elevaram os custos e diminuíram o acesso aos tratamentos.

Qual a razão para isso ter acontecido?

O programa interrompeu as formas mais efetivas de reduzir o custo da entrega de saúde, que estão relacionadas à competição e inovação. O único jeito de conseguir coisas boas, de alta qualidade e custo baixo, é permitir um mercado competitivo. Quando há a instituição de controle de preços e muitas regras, há queda na qualidade e redução de recursos. É o oposto do que queremos na saúde. O Obama Care é um fracasso. Agora, o debate nos EUA é como consertar a situação.

O senhor apoia as alterações feitas pelo presidente Donald Trump, como a autorização para venda de planos de saúde com cobertura mais enxuta?

O que Trump está fazendo é bom. A chave é se livrar de regulamentação em excesso para permitir mais competição e permitir que todos comprem seguro de saúde sem serem obrigados a adquirir um produto que não usarão. Também é muito importante que as pessoas estejam aptas a comparar preços. Quando você realmente se importa com o que algo custa, porque paga diretamente, o preço cai. Se o seguro paga tudo, o paciente não se importa com quanto custa.

Programas que permitem acesso de todos à rede pública, como o NHS, da Inglaterra, e o SUS, no Brasil, eram apontados como modelos de assistência. No entanto, os dois sistemas estão mostrando diversas deficiências. Qual sua fórmula para um projeto eficiente?

A questão com o NHS é que há enormes listas de espera. Em um sistema como este, o único jeito que o governo tem de controlar o custo é restringir a oferta de tratamento reduzindo o acesso. Pessoas esperam meses, às vezes anos, para receber tratamento. Os que realmente sofrem são os mais pobres porque não conseguem dar a volta no sistema. Quem tem dinheiro não espera. Compra a saúde em um esquema privado paralelo.

O que senhor oferece como solução?

O estado deve dar assistência financeira para os pobres e fazer com que eles usem seguros de saúde privados. É preferível ter o benefício do dinheiro do governo e colocar a população de baixa renda dentro do mesmo sistema de seguros disponível para os outros que pagam por isso. Sistemas de saúde paralelos para os mais pobres sempre têm conseqüências ruins. A solução para os problemas é usar dinheiro de impostos para comprar saúde privada.

No Brasil, há ótimos hospitais privados e ótimos serviços de referência na rede pública, mas ambos disponíveis para poucos. Como equacionar a questão?

Aí é exatamente onde estou chegando. Não há resposta rápida e fácil, mas, no geral, é preciso se livrar da separação do cuidado para pobres e para quem tem mais dinheiro. Isto é central. Os governos precisam parar de gastar toneladas de dinheiro em hospitais para os quais eles não têm muita expertise em administrar e suprir com tecnologia médica adequada. A situação de hoje é a de que os estados administram a saúde de com ineficiência e desperdício. Inovação e eficiência vêm do setor privado, não do governo.

O que o sr. propõe não deixa governos e populações à mercê das regras impostas pelas empresas?

Não se houver devida competição. Quando o cuidado com a saúde é controlado por um governo central, os pacientes é que são controlados. Isto está provado em países com décadas de centralização e controle governamental, onde há listas enormes de espera por assistência.

O senhor participou das comissões que elegeram prêmios Nobel de Medicina e Fisiologia durante anos distintos. Como foi participar da escolha de alguns dos trabalhos mais importantes da ciência?

É uma honra ser chamado para as nominações do Nobel. Dá perspectiva para tentar determinar as mais impactantes inovações e descobertas em medicina. Você olha além de seu próprio campo e vê que os avanços chaves são realmente feitos por cientistas dedicados e médicos cientistas, nestes casos. Queremos ter certeza de que as pessoas tenham os incentivos corretos para continuarem fazendo suas descobertas.

Foi muito difícil escolher os vencedores?

Sim. É uma tarefa muito complicada chegar a uma descoberta, inovação ou invenção que você acha ser a mais importante, com o maior impacto. São muitas.

Houve alguma pesquisa que o tenha marcado mais?

Sim. O Nobel para os criadores da tecnologia de produção de imagens por ressonância magnética (o químico norte-americano Paul Lauterbur e o físico britânico Peter Mansfield, em 2003). Acredito que tenha sido o reconhecimento mais importante porque a medicina por imagem, e a ressonância, especificamente, mudou o cuidado com a saúde. Há alguns anos, estudiosos e pesquisadores chegaram à conclusão de que ela foi a descoberta médica mais importante nos últimos 50 anos.

Como neurorradiologista, o senhor não está sendo parcial nessa avaliação? Muita gente diz que o principal avanço é o conhecimento genético.

O exame de ressonância é considerado a mais importante descoberta do cuidado médico. Mas é verdade que estamos entrando em uma era na qual a genética está ficando muito importante E ficará cada vez mais essencial.