Gisele Vitória e Bela Megale Sentado no sofá de seu escritório próximo à Avenida Paulista, primeiro ponto de referência que aprendeu ao chegar em São Paulo, Gabriel Chalita falava sobre o sonho que tinha aos 15 anos, ser padre. Nesta idade, ele já havia lançado seu primeiro livro, aos 12, e experimentado o primeiro beijo nas férias em Caraguatatuba, no litoral paulista, aos 14. “Eu achava que era pecado, pois era muito religioso”, diz. Mas Chalita nunca foi um homem de um sonho só. Conciliava o seminário em Bananal, próximo à Cachoeira Paulista, onde morava com a família, com o curso de ator aos finais de semana no Teatro Escola Macunaíma, na capital. Foi através dele que conheceu um grande amor. “Tive uma paixão avassaladora, uma atriz que conheci na casa do Paulo Autran. Hoje somos amigos”. Assuntos ligados à sua trajetória fluíram com naturalidade, como as dificuldades na mudança para São Paulo, a bem sucedida carreira de escritor e palestrante (ele chega a cobrar R$ 35 mil por palestra) e a morte do pai e de dois irmãos. O deputado e pré-candidato à Prefeitura de São Paulo também não teve papas na língua para apontar a falta de um projeto político para a cidade, e criticar a postura do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em defesa à descriminalização das drogas. ?É um tema muito sério para ser moderninho. Por que FHC não tratou disso quando foi presidente??, dispara. Em uma conversa de duas horas, o único veto foi o nome do amor de juventude, Rachel Ripani, revelado depois de muita insistência, ao final da entrevista que você confere a seguir. Por que decidiu se mudar para São Paulo? Eu era vereador em Cachoeira Paulista, estava no final do meu mandato e havia um movimento para que eu saísse candidato a prefeito. O (ex-governador) Franco Montoro insistiu para eu não me candidatar e me mudar para São Paulo para estudar. Ele colou isso na minha cabeça. Eu tinha 20 anos. Já havia feito Faculdade de Filosofia e fui fazer mestrado na PUC orientado pelo Montoro. Como surgiu sua relação com ex-governador Franco Montoro? Foi na época em que eu era seminarista em Bananal. O Montoro estava lá numa semana santa em que fiz sermões, mas sem celebrar a missa porque eu não era padre. Eu tinha 15 anos. Você escreveu uma coleção de catequese aos 15 anos? Sim. Foi nesta época que o Montoro me viu. Eu estava fazendo o sermão. Ele estava lá e acompanhou isso. A partir daí começou a cuidar de mim, passamos a nos corresponder, ele participava de um instituto de pensadores cristãos, o Jacques Maritain, que existe até hoje, e me convidou. Mas meu foco estava no seminário. Com 18 anos saí do seminário e decidi me candidatar a vereador em Cachoeira Paulista. O marido da minha prima havia sido candidato a prefeito e eu fui candidato para ajudá-lo a ganhar. Fui eleito e me tornei presidente da Câmara. Aí me aproximei muito do Montoro, que nesta época já era ex-governador. Ele tinha teses que falavam da escassez de água, da integração da América Latina e colocou tudo isso na minha cabeça. “Se você quer ser um político de sucesso não pegue prestígio da política, tenha o seu e o empreste à política. Você precisa estudar em São Paulo”, dizia ele. Comecei a fazer mestrado em Sociologia Política e Direito na PUC. Em seguida, quando terminei estes projetos, comecei o mestrado em Direito e o doutorado em Semiótica. Terminei dois anos depois e fiz o doutorado em Direito. Tudo perto do Montoro. Virei assistente dele na PUC e depois titular da Universidade. Passei a dar aula para a turma quando ele morreu. O Montoro abriu meu olhar para o mundo intelectual, a necessidade do preparo. Eu viajava com ele. Foi meu guru. Outra pessoa teve influência na sua vida como Montoro? O (vice-presidente) Michel Temer teve uma passagem importante para mim na época de vereador. Quando eu era presidente da Câmara ele foi dar uma palestra em Aparecida do Norte e eu fiquei fascinado. Aí comecei a fazer Direito em Taubaté. Quando vim para São Paulo, fiz vestibular na PUC, larguei Taubaté e passei a estudar aqui. Mas comecei Direito por causa do Temer. Sempre continuei em contato com ele, mas quem me abriu as portas foi o Montoro. Ele tinha uma visão muito humanista da discussão filosófica e eu era um jovem inquieto. Queria escrever sobre Maquiavel e ele perguntava como eu encontrava humanismo em Maquiavel. Tínhamos reflexões incríveis. Vim para São Paulo com a finalidade de estudar. Quando se mudou para São Paulo, sentiu-se só? Com certeza. Cachoeira era uma cidade pequena onde todos se conheciam e eu tinha um trabalho social muito forte lá. Desde criança fazia campanhas para asilos, creches. Eu tinha uma bicicleta que andava pela cidade inteira. Como vereador, a mesma coisa. A mudança para São Paulo foi uma coisa de impacto. Você vinha bastante à cidade? Médio. Tinha parentes aqui. Minha mãe não queria que eu viesse de jeito nenhum. Fiquei um tempo na casa de uma tia no bairro do Tatuapé. Depois me mudei para a Vila Madalena, quando meus livros começaram a vender. Enquanto cursei a faculdade também dei aula num colégio chamado Friburgo. Depois dei aula no Santa Cruz e fui dirigir o Pueri Domus. Fazia doutorados, mestrados e sempre trabalhando em escola, por isso cresci muito rápido. Isso com 21 anos. Esses dias encontrei alunos do Santa Cruz que disseram que nunca esqueceram da minha aula. Eu tinha uma forma diferente de dar aula de filosofia. Como era sua aula? O Fantástico fez uma matéria comigo dando aula de filosofia no bosque para os alunos do Pueri Domus. Até hoje que dou aula em faculdade. Meus alunos de Direito assistem 20 filmes por bimestre. Eu criava programas, dava aula de oratória com filosofia, trabalhava respeito, desenvolvimento de equipe. Nas aulas sobre o mito da caverna de Platão, criava um eixo temático sobre os medos que os alunos tinham. Era uma coisa que uma escola falava pra outra e iam me convidando. O Pueri Domus foi uma grande experiência na minha vida e foi onde eu fiquei mais tempo. Aí me formei e fui deixando um pouco as escolas para trabalhar mais em pós-graduação. Mas minha chegada em São Paulo foi medrosa. Você foi colega do ator Reynaldo Gianechini na faculdade? Sim, estávamos por acaso no mesmo dia no programa da Leda Nagle e eu lembrei dele. Ele disse, “Chalita, você foi o orador da turma. Você falava e eu dizia, quero falar igual a esse cara”. Éramos cinco concorrentes no concurso para ser orador e eu não fazia muita política da PUC porque dava aula. Havia o presidente do Diretório Acadêmico que era o favorito.Tive 300 votos e ele 20. Hoje falo muito mais de improviso, mas decorava e falava o discurso. Foi lindo. Ele disse que nunca esqueceu. Fizemos algumas matérias juntos, como Direito Ambiental. Ele era bonito, mas muito quieto. Comigo lembro de ter falado no dia que acabou o curso. “Nossa, estou impressionado com seu discurso”. Agora ele me convida peça peças, mas não temos amizade. Lembra do dia em que desembarcou com a mala? Sim, no Tatuapé mesmo. Minha mãe chorando em Cachoeira. A minha tia foi me pegar e dizia: “Ele vai ficar na minha casa”. E o Tatuapé era longe. Já convivia com sua tia? Sim, meu pai teve câncer e viemos para São Paulo algumas vezes, mas eu não conhecia nada. Sempre que alguém queria falar comigo eu marcava na Avenida Paulista. Precisava dar aulas para se sustentar em São Paulo? Não, meu pai tinha condições de me manter. Ele vem de uma família muito pobre, foi servente, feirante, mas já casou com 40 e poucos anos. Na época que mudei para São Paulo ele construía casas para alugar. Tinha umas 70, mas deu 50 para os vicentinos cuidarem. Ele fez casas para os velhinhos pobres, disse que Deus fez dele um velhinho rico. Tinha uma loja, uma fábrica de roupas e construía. Era um empreendedor. Eu escrevi um livro em homenagem a ele quando completou 80 anos. Mas quando mudei para São Paulo queria dar aula e vi no jornal que havia vaga no Colégio Friburgo, em Santo Amaro. Eu morava no Tatuapé. Na época não tinha metro e era um sacrifício ir até lá. Qual a lembrança mais forte que tem de São Paulo daquela época? Da Copa de 1982, quando eu nem morava aqui. O Brasil perdeu e estávamos assistindo ao jogo na casa da minha tia. Depois fomos ver um filme na Avenida Paulista e a cidade era triste. Era muito forte para mim a tristeza de São Paulo em 1982. Comecei a gostar de São Paulo por causa das aulas que eu dava. Eu fui explorando São Paulo, a noite, os cinemas. No início freqüentava sempre os mesmos lugares? Tentava marcar um território? No começo era sempre Tatuapé, depois que mudei para a Vila Madalena. Ia em tudo lá, mas ainda tinha a coisa da Paulista. Hoje você conhece bem São Paulo? Como secretário visitei escolas na cidade inteira todos os dias, ganhei os professores pela presença física. Depois, como vereador, fui o único político a ir à enchente em Sapopemba. Eu gosto de São Paulo, é uma cidade que pulsa, é fascinante com sol, chuva, é desafiadora. Vejo meus alunos do Mackenzie e da PUC que vêm de fora e me vejo neles. As pessoas chegam com um certo receio, falando: “é perigoso, as pessoas aqui são estranhas, não se cumprimentam”. É porque não se conhecem. Mas cada um cria seu grupo na cidade. Sou fascinado por São Paulo. Você queria ser padre. Quando criança sentia que tinha vocação? Minha família sempre foi muito religiosa, meus pais iam à missa todos os dias e eram praticantes, ajudavam à igreja. Meu pai era incrível. Quando eu nasci, tinha quase 60 anos, porque sou o caçula temporão. Eu tinha uma relação muito bonita com ele, de muita admiração por sua serenidade. Desde pequeno eu achava linda a cerimônia religiosa. Havia um padre chamado Benevides que cuidava de meninos de rua e eu o ajudava muito. Eu queria ser padre para cuidar de meninos de rua também, isso com quatro anos. Com oito eu era catequista, tudo meio precoce. Aí começou a Canção Nova em Cachoeira, uma comunidade forte que tem rádio e televisão. Com nove anos eu já fazia programa de rádio lá. Minha vida era muito ligada à igreja. Quando o desejo de se tornar padre se tornou mais forte? Sempre quis. Eu coordenava grupos de oração de crianças com oito anos e tinha uma convivência como se fosse um processo de catequese, de ensinamento de crianças. Seus pais o apoiavam? Minha mãe não queria. Meu pai sempre gostou de tudo que fiz. Sem fiz muitas coisas ao mesmo tempo. Já era inquieto, meu pai deixava. Na época em que conheci o Montoro em Bananal, minha mãe foi pedir ao bispo para não deixar eu ir para Bananal, porque ela já tinha perdido um filho e poderia acontecer algo comigo. Minha mãe não tinha nada contra a igreja, sua preocupação era em relação à distância. Montoro o apoiava? Dizia que era ótimo eu ser padre, mas uma pena porque precisávamos de políticos bons, humanistas. Você pensou em seguir outra carreira? Quando eu saí do seminário ela já tinha se acostumado com isso, mas eu tinha muita dúvida porque também fazia teatro. Antes de me mudar para São Paulo, eu ia e voltava para a capital para estudar na Escola Teatro Macunaíma. Lá conheci o Paulo Autran, o Walmor Chagas e estava pensado em seguir carreira de ator, daí veio a candidatura. Também estudei teatro na Escola Célia Helena, com a Célia viva. A filha dela chegou a me dar aula. Ficou quanto tempo no seminário? Não morei lá, já que minha mãe foi falar com bispo após a morte do meu irmão, mas passei o dia todo no seminário por três anos. No final eu saí e me candidatei a vereador. Quantos irmãos você tem? Minha mãe perdeu o primeiro filho, o segundo irmão é hoje o mais velho. O terceiro morreu de acidente de carro, aos 21 anos. Eu estava neste acidente. Depois tive um irmão antes de mim que tinha síndrome de Down. Hoje somos apenas em dois. Morreram os outros dois. Você teve um convivência intensa com a experiência da morte, como pensa nela? Eu escrevo muito sobre a morte. No meu livro Homens de Cinza todos os contos são sobre ela. É um mistério, por maior que seja a fé de uma pessoa, não tem como não se angustiar diante da morte. Em algum momento da vida todo mundo tem este receio. Quando meu irmão morreu fiquei muito mal. Como foi o acidente? Ele tinha 21 anos e eu 15. Estávamos em um casamento em São Paulo e ele fazia engenharia em Taubaté e queria voltar porque tinha prova. Minha mãe dizia ?Não vai, estou com o coração apertado?. Ela pediu para eu ir com ele e um caminhão nos fechou na estrada. Eu quebrei os dois braços. A chegada no hospital foi horrível, que queria ficar perto dele e o medico disse “Está morto, por que ficar perto dele”. Quando morreu meu irmão com síndrome de down também sofri muito, porque ele era o centro da casa. Mas a agústia maior da morte foi com a morte do meu pai, em 1999. Meu pai me dava uma segurança muito grande. Ele faleceu na mesma semana que o Montoro, da mesma coisa. O Montoro passou mal do estômago e teve uma parada cardíaca. Meu pai também. Estávamos num casamento e ele disse que não estava sentindo bem, mas pediu para eu não contar para minha mãe. Ele não quis ir para o hospital e fomos para casa. Entrou para a política através da religião? A política também tinha essa coisa do cuidar do outro, mas não fui para uma política ligada à igreja. Eu entrei na política porque o marido da minha prima foi candidato e ela pediu para eu ser candidato a vereador para ajudá-lo. Quando me candidatei não era uma paixão ser vereador, era um convencimento de que eu poderia cuidar mais das pessoas como político. Mas esse não foi o único motivo que o levou a ingressar na política, certo? Eu já estava em dúvida se queria mesmo ser padre, nesta época tinha 18 anos. Existe uma ala da igreja bastante politizada. Qual era seu posicionamento? Eu simpatizava muito com o dom Paulo Evaristo Arns, dom Angélico, dom Luciano. Meus ícones eram mais ligados à teologia da libertação, mas eu não me sentia muito ligado à política, estava mais ligado ao cuidar do outro. Ficava o dia inteiro no asilo. Como um homem religioso, como vê as correntes dentro da igreja católica? Hoje elas convivem com mais tranqüilidade. A Opus Dei é menor. Não a conheço muito. Acredito que ela tem muito menos poder do que dizem. Eu venho muito da Renovação Carismática que dialoga com a área mais social da igreja. Esta área social tem ícones como dom Paulo no respeito à diversidade. Uma igreja quando é só orante e não tem uma obra social não está baseada na riqueza do evangelho. Ela tem que ter uma ação social. Não vejo mais este maniqueísmo que divide as igrejas entre progressistas e conservadoras. Há fanáticos e eles são ruins em qualquer religião. Você reza? Vou a missa aos domingos, rezo, leio muito a bíblia. Também vou à uma missa dos políticos em Brasília, fazemos um quinta por mês. Por que desistiu de ser padre? Queria namorar. Achei que para ser padre tinha que ter experimentado outras coisas. Tinha uma prima no Rio de Janeiro que me levava a shows. Com ela conheci o Carnaval de lá, desfilei na Portela ainda como seminarista. Durante o seminário, teve namorada? Não. Fiquei tão concentrado em projetos sociais que não pensei nisso. Com 15 anos cheguei em Bananal e queria fazer um trabalho de catequese que fosse sedutor. Escrevi apostilas e imprimi no mimeógrafo. Eu tive uma namoradinha na entrada do seminário e foi ela quem desenhou as figuras das apostilas. Um padre foi lá, viu o material, levou os livros e publicou pela editora Santuário. Muitas coisas na minha vida aconteceram por acaso. Imagina que eu acharia que o Montoro estaria vendo meu sermão naquela semana santa? Para falar a verdade, nem sabia quem era ele aquela época. Acho que ele era governador. Teve um grande amor que pesou na sua escolha de deixar o seminário? Tive um amor depois, em São Paulo, a Rachel Ripani. Era uma grande paixão. A gente ia voltava, ela me achava muito novinho. Hoje somos supermamigos, minha mãe encontra com ela e diz: “Queria tanto que você fosse minha nora”. Eu adoro a Rachel. Eu tinha 19 e ela 16, eu queria casar. Ela estava sempre por perto. Quando lancei o livro “Mulheres que mudaram o mundo”, ela foi com o namorado no evento. Eu autografava os exemplares e olhava para ela. Ela disse que nem percebeu. Foi marcante, pois foi minha chegada em São Paulo. Vocês namoraram? Ela gostava de homens mais velhos, por isso sofri muito. Eu queria casar com ela com 20 anos e ela dizia que eu era muito novo. Como se conheceram? Ela era amiga de uma menina que eu mais ou menos namorava no curso de Teatro Macunaíma. Ela convidou a amiga para ir na casa do Paulo Autran, eu fui junto. Lá nos conhecemos e ficamos conversando. Tem namorada atualmente? Não, estou solteiro há um ano. É um solteiro convicto? Não sei, deixa a vida me levar. Meu pai se casou aos 44 anos. Quando foi seu primeiro beijo? Antes do seminário, aos 14 anos. Eu estava em Caraguatatuba e achava que era pecado, pois era muito religioso. Foi com uma menina de São Paulo que eu gostava, a Elisângela. Tínhamos uma casa no litoral onde passávamos férias. E sua primeira vez? Não me lembro, menina, faz muito tempo (risos). Qual sua dúvida em relação ao seminário? Eu gostava muito de ser religioso, mas me questionava se ser padre era o que queria para minha vida. Havia outras possibilidades. E a história do teatro pegava também. Eu cursei Teatro Escola Macunaíma no seminário, aos finais de semana. Imaginava-se fazendo novelas, teatro? E queria fazer teatro. Várias vezes quase fiz, mas acontecia alguma coisa. Uma vez participei da montagem de Entre Quatro Paredes, de Jean-Paul Sartre. Fizemos uma montagem da Ópera do Malandro, fiz uma peça no Rio chamada Tal dia meu batizado, com o pessoal do Walmor Chagas e estava começando a ir por esse caminho profissional, mas achei incompatível com a política, pois já era vereador em Cachoeira. Quando eu estava morando em São Paulo, fui convidado para fazer a personagem central de um texto do Frei Betto, Apócrifos. Um empresário que dominava o mundo. Tinha supervisão do Paulo Autran, com quem fiz os testes para a peça. Quando ia estrear, o governador Geraldo Alckmin me chamou para ser secretário da juventude. Você se achava um bom ator? Eles me achavam. O Walmor dizia que eu era um covarde de não ter um caminho como ator. Minhas aulas eram muito teatrais, como minhas palestras. Fui advogado de júri por um curto período depois que me formei em São Paulo e o júri também tem uma teatralidade. Vou a todas as peças que posso, acho fascinante. Se virar prefeito, farei um projeto de política cultural em São Paulo. Acho que é um caminho de emprego, geração de renda. Como secretário, fiz um projeto chamado Caminho das Artes e através dele vi a transformação que o teatro faz nas pessoas. Como é sua rotina hoje? Vou muito ao cinema, teatro, corro, pratico esportes, faço musculação. Fiz maratonas como a de Nova York, corri a São Silvestre, mas hoje tenho corrido sete quilômetros. Pratico exercícios quatro vezes por semana. Tenho uma academia na minha casa em São Paulo e em Brasília há uma academia no flat onde fico. Já para correr, prefiro a rua. Acordo 6h30, leio jornais, às 7h faço exercício, dependendo do dia dou aula ou, se estiver em Brasília, participo das comissões. Virei mais do dia do que da noite. Tenho sono cedo. Antigamente escrevia de madrugada, hoje não. Por que virou escritor? Por causa de uma contadora de histórias que ficava num asilo onde minha mãe fazia um trabalho voluntário. Sempre a acompanhava. Lá conheci a Dona Ermelinda que falava muito. As pessoas não tinham paciência com ela, mas eu tinha. Ela começou a me incentivar a escrever livros. O primeiro texto que escrevi que virou um livro chamado Eu só queria ser poeta foi ela quem corrigiu já não enxergando direito. Ela foi perdendo a visão e eu lia em voz alta. Foi minha primeira incentivadora. Minha família nunca me incentivaria a ser escritor. Minha mãe queria que eu fosse médico, ou comerciante, já que meu pai ganhou tudo com comércio. Você se considera um autor bem sucedido? Hoje sou um autor que ganho muito bem. Ganho antes de escrever, tenho propostas para livros. Ficou rico com seus direitos autorais? Fiquei, mas fiz outras coisas também, como palestras. Como político reduzi um pouco o ganho com palestras porque de terça a quinta estou em Brasília e também não cobro mais de municípios porque sou da Comissão de Educação do Congresso e não teria lógica. E eu cobro bem por palestras, de R$ 25 a 35 mil. Fiz uma quantidade enorme de palestras para o os bancos Santander, Bradesco, Itaú, Coca-cola. Sempre na área de inteligência emocional e filosofia. Também montei a Casa do Saber. Quando fui diretor do Pueri Domus já ganhava muito para a minha idade, tinha 25 anos na época. Então, é possível ser um escritor bem sucedido no Brasil. Deve ter uns 20 escritores bem sucedidos no Brasil que podem viver com tranqüilidade. Talvez um pouco mais, pois há escritores de livros didáticos. Eu tenho livros didáticos, mas eles não são adotados pelo governo, somente por escolas particulares. Mas quem vende para o governo ganha muito bem. Qual sua técnica para escrever tão rápido? Sou muito organizado nas coisas que eu faço, tento não me atrasar para nada. A primeira reunião que marquei com a juventude do PMDB, fui superpontual e eles ficaram impressionados. Cumpro prazos em tudo. No começo do ano, fiquei 20 dias escrevendo um livro que será publicado em outubro, são correspondências imaginárias entre Sócrates e Thomas More. Fiquei 20 dias sem fazer outra coisa. Fui para Aspen, nos EUA, com amigos, acordava às 5h, escrevia até às 9h, tomava café da manhã com eles, depois escrevia até às 14h, parava para encontra-los para almoçar, voltava, escrevia até a hora do jantar, jantava e dormia. Os livros têm tempos diferentes para serem escritos? Escrevo um livro infantil num voo de São Paulo para Natal porque tem 15 páginas, o resto é ilustração. A coleção do Maurício de Souza escrevi assim. Pedagogia do Amor fiquei 15 dias em Salvador. Vivendo a Filosofia demorei dois anos porque exigia pesquisa. Cada livro nasce de um jeito. E um livro a quatro mãos, como o que fez com o Padre Fábio de Melo? Foi uma delícia escrever. A editora queria que eu fizesse o projeto com outro líder religioso. Ouvi a proposta e sugeri que fosse escrito em parceria com o Padre Fábio. Eu já tinha lido seus textos. Tinha o levado no meu programa na rádio, Canção Nova, e um dia timidamente ele pediu para eu ler uns contos que tinha escrito sobre mulheres. Ele escreve muito bem, parece até a Adélia Prado. É mineiro, inspirado na forma dela escrever. A editora topou e começamos a trocar e-mails. Os dois volumes que escrevemos repercutiram o que estávamos fazendo. Sou rápido, ele mais demorado. Em três horas eu escrevia a carta e mandava. O padre Fábio demorava um mês para me responder e em seguida eu já escrevia. Ele dizia: “Que cobrança Gabriel! Eu sofro para escrever”. Eu disse: “Eu não, mas fique a vontade” (risos). Há projetos para fazer um terceiro livro? Sim. Temos várias editoras com propostas. Como está o acervo da sua biblioteca? Decaindo. Estou doando muitos livros. Estes dias me falaram de uma biblioteca de Alagoas, peguei 300 livros para mandar para lá. Comecei a achar que preciso de uma vida mais leve. Antes eu queria ter uma biblioteca monstruosa, cheguei a 22 mil livros. Em 2008 comecei a doar. Tem livros de cabeceira? Eu sempre leio cinco, seis livros simultaneamente. Entre os que estou lendo agora estão um livro do Roberto Pompeu de Toledo sobre São Paulo, e um sobre semiótica do Umberto Eco. Qual sua opinião sobre os livros adotados pelo MEC contendo erros de português? Temos que tomar cuidado para que isso não aconteça. Podemos ter mais de um código, como o da internet, o que a pessoa fala “nós vai”, mas ninguém vai à escola para aprendê-lo. Os alunos têm aula para saber a norma culta. Sempre tomei muito cuidado com isso quando fui secretário da educação. Como é sua vida social? Gosto de shows, mas fiquei velho para sair para dançar. Gosto de Carnaval. Desfilei muitas vezes, a última foi ano retrasado, na Grande Rio. Eu ia desfilar este ano na Vai Vai em homenagem ao maestro João Carlos Martins, mas fiquei com a coluna travada e não fui. Não gosto de dormir tarde, por isso não tenho paciência de ai para bares, ficar até altas conversando, gosto de teatro. Vou muito a cinema, gosto de receber gente em casa. Você gosta de cozinhar? Não muito, eu me viro. Cozinhei para o meu pai quando estava mais velho. Você é amigo de Bethy Lagardère. Com que freqüência se encontram? Fiz um jantar de aniversário para ela aqui no Brasil, ela fez o meu em Paris. Meu grupo de amizades é muito diversificado. Ela é muito interessante, uma louca no bom sentido. Tem um amor pelo Brasil. Na França é muito mais reconhecida do que aqui, lá todas as portas se abrem para ela. Ela fala do Brasil o tempo todo. Foi ela quem apresentou a você a primeira-dama da França, Carla Bruni? Sim. A conheci na França e depois a Bethy fez um almoço em seu apartamento, em Ipanema, no Rio, e convidou alguns amigos. Fui um deles. Também estavam a Marília Pêra com o marido, entre outros. Carla é o máximo, falamos de Sartre e Simone de Beauvoir, filosofia o tempo todo. Ela perguntou por que um brasileiro sabe tanto de filosofia francesa. Eu respondi que era porque o mundo sabe sobre Sartre. Como a conversa com Carla Bruni começou? Eu estava conversando com a Marília Pêra sobre Hannah Arendt, daí a Carla chegou e eu disse que as grandes mulheres da história do pensamento eram a Hannah e a Simone de Beauvoir. Carla começou a perguntar porque Simone de Beauvoir era uma grande filósofa e eu falei que a mulher na visão de Simone passa a ser protagonista da história, que a grande revolução proporcionada por ela com outras mulheres foi a revolução feminista. Ela e Sartre tinham a coisa da importância de se angustiar. Você só tem escolhas corretas na vida quando você se angustia. Já a Hannah, que era judia, tem uma história de vida muito difícil envolvendo o nazismo e sua grande obra é sobre a bondade humana. Ela chega a dizer que o nazista não era mal, mas alguém com um sentimento ruim de incompaixão. E a incompaixão é o pior sentimento que alguém pode ter. Ficamos nestas discussões filosóficas. Como é o Chalita professor? Vai ao bar com alunos? Não dá mais tempo. Antigamente eu tinha até sete turmas, hoje a cada semestre pego no máximo duas. Chego a jantar com os alunos de doutorado no final do ano. O Professor Chalita é paquerado? Todo professor é. Estes dias uma aluna de graduação me disse, o senhor não me dá bola. Eu respondi, “Filha, tenho idade para ser seu avô”. Eu acho até possível que um professor namore uma aluna, mas essa posição de usar o poder que você exerce para conquistar alguém não é uma boa. É necessário um certo distanciamento, o aluno tem que admirar o professor. A medida que você se vulgariza na forma de ser e se relacionar, perde-se a liturgia de ser professor. E isso é fundamental porque os alunos estão sem referencial. Muitas vezes pai e mãe não são referenciais. Mas não saio com aluno para tomar chope. Faço o maior esforço para decorar o nome de todos os alunos, dou telefone e e-mail, nunca tive problema com isso. Professor é uma relação de construção coletiva. É competitivo? Soube que no baralho é. Joguei eu e a Dona Lu e contra o Ferrnando Henrique Cardoso e o Geraldo Alckmin há muito tempo, ganhamos todas e eles não se conformavam. Como é sua proximidade com FHC? Nunca fomos amigos, convivi com ele mais na época em que fui secretario do Governo Alckmin, mas pouco. Minha convivência no PSDB foi maior com o Montoro, o Alckmin e com a Lu. Mario Covas um pouco. Hoje convivo com deputados de vários partidos. Distanciei-me do Alckmin e da Dona Lu. Tenho muito carinho por eles, mas estamos em projetos políticos diferentes. Qual sua opinião sobre a descriminalização das drogas, defendida por FHC no documentário Quebrando o tabu? Eu entendo o que ele fala ao defender que tem que tratar e não punir. Mas acho isso perigoso, hoje a droga é um dos maiores problemas da juventude. Quando você facilita este processo, estamos banalizando um tema muito complexo. Não que eu seja conservador, mas acho complicado, mesmo o discurso que ele coloca, que este é um problema para o sistema de saúde cuidar. Este sistema não cuida da bebida, que é lícita. Sou contra. Este é um tema muito sério para ser moderninho. Por que FHC não fez isso quando foi presidente? Temos que pensar o Brasil como nação. Olha o que é a cracolândia. Como foi sua recepção no PMDB? Gosto muito do Temer. Mas Brasília é muito interessante, você tem dialogo com vários partidos. Me senti muito acolhido no PMDB, mas agora, por exemplo, estou lançando uma frente parlamentar pela adoção junto com o Aécio Neves (PSDB-MG) e o Lindbergh Farias (PT?RJ). Em todos os partidos temos dificuldades e coisas boa. As pessoas são assim também. Você adotaria uma criança? Faria o apadrinhamento solidário, que é não levar para casa e adotar uma entidade. Por exemplo, há seis irmãos e eu não tenho condições de levá-los. A pessoa pode ajudar aquela entidade financeiramente e levar as crianças para passear, acompanha os estudos, vira referência para eles. Muitas vezes o apadrinhamento é o primeiro passo para adoção. Estes dias fui à favela de Paraisópolis e um menino me disse: “Me leva para sua casa, gosto tanto de você”. Ele tem pai e mãe, mas deve viver uma situação difícil, ser espancado em casa. Está preparado para disputar a prefeitura de São Paulo? Gostaria que a eleição tivesse muitos candidatos, isso é bom, terei um diferencial, um grande projeto para São Paulo. Estou trabalhando muito nisso. Viajo muito e vi que grandes cidades deram um salto de desenvolvimento a partir de um projeto de médio a longo prazo. São Paulo não tem um projeto hoje. É uma pena que durante a campanha haja muito jogo sujo, um tentando destruir a imagem do outro. O bonito seria vermos uma discussão de projetos. Sempre quis ser prefeito de São Paulo? Não. Quando desisti de ser prefeito de Cachoeira para ingressar na vida intelectual, não achava que voltaria para à política. Aí veio o convite do Alckmin para ser secretario da juventude e depois da educação. Na época da Secretaria da Educação me passou a ideia de ser prefeito de São Paulo, tive essa vontade, quando Serra não era candidato ainda, havia alguns pré-candidatos do PSDB e eu era um dos que queria. Ele acabou saindo candidato e ganhou eleição. Quando acabou minha gestão, tive tantos problemas com o Serra ali que achei que não ficaria mais na política. Voltei como vereador e já tinha a vontade de ser prefeito. Depois fui candidato a deputado. É natural, se quer se candidatar a prefeitura precisa ter votos. Ou você constrói sua força ou recebe um grande apoio. Quais problemas vê hoje na cidade? Chove e muitos semáforos ficam sem funcionar. Por que não há semáforos inteligentes na cidade? Eles já reduzem 15% do trânsito. Não estou falando de grandes obras, mas de criatividade administrativa. Não podemos deixar 120 mil crianças sem vagas em creches. Não dá tempo de construí-las, faça convênios com empresas, faculdades. Na câmara vi muitos problemas e acho que é possível fazer de uma outra forma. Como fiz como secretário, acabamos com greves, informatizamos redes de ensino, demos grau universitário para todos os professores, criamos bolsas de mestrado, abrimos as escolas nos finais de semana, reduzimos com isso os índices de violência. Disso sinto falta na política, tem que fazer, porque não é fácil. Há burocracias, lentidão. Quem assume uma prefeitura tem que ter um projeto antes para entrar trabalhando. É contra o aborto? Sim, temos caminhos para evitar a gravidez, mas à medida que você tem a vida, até pela perspectiva jurídica, a dignidade vai do início ao final dela. Não acho correto matar alguém que está em formação. Qual sua opinião sobre união homossexual? Casamento de pessoas do mesmo sexo não é um problema jurídico, mas religioso. A parte religiosa, cada instituição decide o que faz. Outra coisa é a questão civil resolvida pelo Supremo Tribunal Federal. A relação entre as pessoas é mais complexa do que achávamos antigamente.


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