HIPOCRISIA O padre Bartolomeu fazia orgias com rapazes musculosos na sede da Associação Cultural e Beneficente para o Bem-Estar do Idoso (Crédito:Divulgação)

Na principal igreja católica do bairro de Pinheiros, as imagens que ornam o altar escondem segredos capazes de abalar sistemas que nem as batinas foram capazes de manter. Foi lá, em meio a orações e confissões, que o espaço da tradicional Paróquia Monte Serrat, no Largo da Batata, foi usado para orgias gays que tinham o padre Bartolomeu da Silva Paz como um dos articuladores. Os detalhes das festas regadas a sexo, música e bebida alcoólica que invadiam a casa paroquial constam nos autos de um processo judicial que tramita desde maio na Vara Civil do Estado de São Paulo, ao qual IstoÉ teve acesso com exclusividade. O autor é Elissandro Dias Nazaré de Siqueira, 24 anos, que alega ter sido violentado pelo padre nas dependências da casa paroquial. Os abusos dos quais o jovem diz ter sido vítima, ainda quando era menor de idade, teriam ocorrido também na sede da Associação Cultural e Beneficente para o Bem-Estar do Idoso, que é ligada à Paróquia Monte Serrat e era presidida pelo padre.

+ Atriz Andra Day diz que foi viciada em sexo e pornografia: ‘Queria que tudo isso fosse embora’
+ Padres alemães desafiam Vaticano e abençoam casais do mesmo sexo
+ ‘Gosto muito’, diz Tonico Pereira sobre vício em fazer sexo; ator já teve prótese peniana

Lá, no espaço que abriga idosos, o padre também fazia suas festas privadas. Os homens que o religioso convidava para as festas, musculosos e bastante jovens, faziam até uso da piscina do local, como mostram fotografias anexadas ao processo. Segundo o autor da ação, foi em um dos quartos da Associação que ele acordou, em uma das vezes que ele diz ter sido violentado pelo padre Bartolomeu, “com dores na região do ânus e com a cueca sanguinolenta”. IstoÉ procurou Bartolomeu, mas ele não respondeu às ligações nem as mensagens enviadas.

As orgias

A ação é assinada pelos advogados Maristela Basso e Guilherme Dudus, e tem mais de 700 páginas. Nela, a vítima pede indenização de R$ 5 milhões por danos morais a ser paga pelo padre e toda a cúpula da Igreja Católica no Estado de São Paulo. Os acusados na ação são, além do Padre Bartolomeu, o Cardeal Dom Odilo Scherer, arcebispo metropolitano de São Paulo, Dom Eduardo Vieira dos Santos, bispo auxiliar da Arquidiocese de São Paulo, Dom José Roberto Fortes Palau, bispo de Limeira e o Padre Adalton Pereira de Castro. Este último teria tentado violentar Elissandro Siqueira, mas o ato não foi completado. Já o cardeal e os bispos teriam atuado para proteger o padre Bartolomeu, segundo alega a vítima, que os acusa de omissão. Dom Odilo nega todas as acusações em nome dele e dos representantes da Arquidiocese.

“Já tentei me matar, fico vendo que nada é feito. Fui abusado, isso aconteceu comigo. As pessoas acham que é pelo dinheiro, mas eu quero que justiça seja feita” Elissandro Siqueira (Crédito:Divulgação)

Além de amplos relatos de como seriam as orgias realizadas nas dependências da paróquia, a ação é composta por anexos com fotografias do padre Bartolomeu nas festas. Há ainda áudios trocados entre o padre e a suposta vítima. Em um dos registros, de maio de 25 de maio de 2016, algumas horas depois de celebrar a última missa do dia aos fiéis na Paróquia Monte Serrat, o padre Bartolomeu envia uma mensagem ao jovem. Eram 23h55 quando o religioso escreve para Siqueira: “Tô de pau duro”. Dois minutos depois, ainda sem resposta, o padre complementa: “Louco pra te comer”. Às 23h58, o pároco, ainda sem resposta, volta a questionar Siqueira: “E vc está afim de dar?”. Um minuto depois o jovem responde: “Não”.

As denúncias que envolvem as condutas irregulares do padre Bartolomeu, em relação às doutrinas estabelecidas pela Igreja não são novidade para a cúpula da arquidiocese paulista. De acordo com o advogado da vítima, o cardeal Dom Odilo Scherer soube das condutas do padre no começo de 2018. A data consta na ação civil. Foi quando Siqueira ingressou com uma ação trabalhista contra o padre, alegando que era forçado a realizar serviços inadequados a mando do religioso. A ação foi arquivada. No mesmo ano, a cúpula da Igreja Católica deu início a uma comissão prévia para investigar as denúncias contra o religioso. Coincidentemente, o padre Bartolomeu pediu, em março de 2018, seu afastamento das funções de pároco. Mas foi promovido a atuar no centro da cidade, na Paróquia Santa Cecília, em uma prática comum de transferências mundialmente usada pela Igreja Católica sempre que os padres são acusados de violência sexual, pedofilia ou até mesmo homossexualismo.

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

O vaticano sabia

Aos olhos da Igreja Católica, comportamentos de cunho homossexual “com escândalo”, não são “condizentes com a dignidade do sacerdócio”, e, portanto, são passíveis de punição. Desde 2 de abril de 2018, o padre está proibido de celebrar missas públicas, mas pode atuar de forma reservada. As denúncias que envolvem as orgias e violências cometidas pelo padre Bartolomeu são de conhecimento do Vaticano desde 2019. Em julho, uma carta foi encaminhada ao Papa Francisco pelo advogado da vítima, que não obteve resposta. Na carta, além de contar o caso de Siqueira, Dudus narra um caso de violência que ele próprio teria sofrido na mesma paróquia de outro padre. O advogado, porém, não ingressou com ação em seu nome contra a Igreja. “Esse é um sistema muito injusto”, justifica Dudus.

Somente há algumas semanas a defesa de Siqueira soube que a arquidiocese editou um decreto em que determina a suspensão do ministério sacerdotal do padre Bartolomeu pelo período de três anos. Na prática, não há nova punição, já que ele não celebrava mais missas desde que os escândalos sexuais começaram. No documento, assinado em 11 de março de 2020, Scherer alega que não foram comprovados “delitos de abuso sexual contra menor de idade, nem delito perpetrado com ameaças ou violência” cometido pelo padre. “Foram comprovados [contra o padre] comportamentos e atos de cunho homossexual e de infidelidade à promessa do celibato, com escândalo, e não condizentes com a dignidade do sacerdócio”, diz o documento.

‘Foram comprovados atos e comportamentos de cunho homossexual e de infidelidade à promessa do celibato” Dom Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo (Crédito:Marco Ankosqui)

O decreto determina ainda que Bartolomeu “seja recolhido, ao menos por um ano, em uma instituição de ajuda a sacerdotes, a ser indicada pela Arquidiocese de São Paulo”. Durante o período da “pena”, o padre terá de ter, segundo o documento, acompanhamento psicológico e de um sacerdote, ambos indicados e “de confiança” da Arquidiocese. O arcebispo também afastou o padre Bartolomeu da direção e administração da associação para o bem-estar do idoso, onde teriam ocorrido os atos. Segundo o documento, o padre teria “agido de maneira irregular em relação às normas administrativas da Diocese”. Por meio de um aplicativo de mensagens, a reportagem fez oito perguntas a Odilo Scherer, das quais cinco ele respondeu da mesma forma: “A acusação apresentada está nas mãos da Justiça e o processo está coberto pelo segredo decretado pelo Juiz. Portanto não cabem declarações”, disse.

Dom Odilo negou todas as acusações de omissão: “Nego inteiramente a acusação de omissão, quer por parte da Arquidiocese de São Paulo, quer por parte de quaisquer de seus Representantes”. Segundo ele, várias denúncias chegam até a Diocese, e todas são “objeto de atenta verificação e providências, conforme normas da Igreja, no âmbito de suas competências”. O cardeal, contudo, não respondeu quantas chegaram até seu conhecimento neste último ano.

Enquanto aguarda uma decisão de Justiça, Elissandro Siqueira vive em uma chácara, em São Paulo, que pertence a um amigo seu do tempo em que ele frequentava a Paróquia Monte Serrat. Siqueira afirma que não manteve um relacionamento amoroso com o padre. Disse que em todas as vezes que mantiveram relações foi devido a ameaças que sofria. “Ele ficava me ameaçando de morte. Ele tinha uma arma, ele me ameaçava. Ele escondia a arma no guarda-roupa dele, e falava que se eu dissesse alguma coisa ele ia matar a minha família. Eu tinha medo. Eu nunca quis estar com ele”, disse. Siqueira afirma que sofre consequências psicológicas pelo fato, como síndrome do pânico. “Espero que justiça seja feita. É difícil, já tentei me matar, fico vendo que nada é feito. Fui abusado, isso aconteceu comigo. As pessoas acham que é pelo dinheiro, mas eu quero que a justiça seja feita”, afirma.


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias