O paulista Ricardo Salles, 43 anos, é o atual responsável pelo Ministério do Meio Ambiente. Trata-se historicamente de uma pasta envolvida em polêmicas dividindo ambientalistas, de um lado, e industriais e o agronegócio, de outro. Sob o comando de Salles, não parece que será diferente. Na semana passada, o ministro irritou ativistas ao dizer que desconhecia a história de Chico Mendes, o seringueiro que virou símbolo da preservação da Amazônia, assassinado em 1988. Disse que ouvira relatos “díspares” sobre ele. Alguns dariam conta de que Mendes era um “grileiro”. Na quarta-feira 13, tuitou em resposta à Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente, que pouco antes dissera que Salles era “desinformado”: “Obrigado, Marina Silva. Estou seguindo seu conselho e indo me informar”. E replicou uma reportagem sobre a condenação da filha e da viúva do líder ambientalista por desvio de recursos no governo acreano. Ex-secretário de Meio Ambiente de São Paulo no governo do ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) entre 2016 e 2017, Salles não quis comentar sua condenação pela Justiça por improbidade administrativa no processo do Plano de Manejo de Área de Proteção Ambiental da Várzea do Rio Tietê.

Na semana passada, o senhor foi criticado ao afirmar que acha irrelevante falar sobre Chico Mendes. Por que isso não tem importância?

Disse isso no sentido de que não era relevante a discussão em si, pois entendo que há coisas muito mais importantes do que ficar especulando acerca da minha opinião sobre Chico Mendes.

Assuntos como o rompimento da barragem de Brumadinho, por exemplo? O que os governos anteriores poderiam ter feito para evitar o crime e o que está fazendo a administração Bolsonaro?

O Departamento Nacional de Produção Mineral era um órgão enfraquecido institucionalmente, de equipe, de tudo. Se tivéssemos órgãos mais bem estruturados, com foco, treinamento e equipes, provavelmente a ruptura não teria acontecido.

E o papel da Vale?

A empresa não aprendeu a lição de Mariana. Não aprendeu, entre outras razões, porque houve certa leniência com relação às punições, às multas. Basta dizer que até hoje as multas ambientais não foram pagas. Mas o tema transcende a questão ambiental, diz respeito à segurança das pessoas e à necessidade de a instituição entender que medidas acautelatórias precisam ser tomadas a despeito de raciocínios econômicos.

Como isso se aplica no caso Brumadinho?

A área administrativa que estava debaixo da barragem não poderia estar lá. E não é desculpa a empresa dizer que quando comprou a área já estava lá. Todas as medidas pós-Mariana me parecem ter sido muito flexíveis.

Como o governo mudará isso? Quem garante que a Vale pagará a multa de R$ 250 milhões aplicada agora?

As empresas, quando autuadas, procuram transformar parte da multa em medidas de mitigação. A lei permite isso. As conversões de multa são parciais. O restante tem de ser pago. E as conversões tem de ser rápidas. No caso de Mariana, ficou-se discutindo quais medidas poderiam ser encaminhadas. Ao contrário do que aconteceu lá, em que o governo socializou a solução do problema com diversos entes da sociedade e órgãos, o poder público deve centralizar e liderar a aplicação de medidas.

De que maneira?

Na parte que me toca, no Ibama e no ICMBio fomos rigorosos na aplicação da penalidade e de obrigações acessórias, como o monitoramento de fauna e a instituição de um gabinete de crise ambiental. E temos cobrado. Desde a semana passada está valendo uma multa diária de R$ 100 mil para a companhia caso ela não apresente um relatório de recolhimento de fauna da forma solicitada pelo Ibama.

A Vale não estava apresentando os documentos?

Apenas de maneira incompleta. O Ibama decidiu aplicar a penalidade.

Vocês querem fazer da Vale um exemplo?

Um exemplo do que não é para acontecer. Exigiremos que a companhia apresente soluções tangíveis, suficientes e rápidas e que pague as multas. Respeitaremos o processo legal, mas não vamos permitir a procrastinação. A aplicação da multa já mostra que não seremos condescendentes com nenhuma justificativa que não seja plausível. Não há argumento que justifique posturas assim, uma vez que a empresa é reincidente nesse crime ambiental.

Quais são os prejuízos do ponto de vista ambiental?

O rio Paraobepa está bastante comprometido. A preocupação maior é que chegue ao rio São Francisco. Ele tem funções de abastecimento muito relevantes. Estamos monitorando, mas ninguém garante que a água não vá chegar lá.

E o Estado? Aprendeu a sua parte da lição?

Todos os órgãos federais, em parcerias com os estaduais, iniciaram um programa de fiscalização e fortalecimento das equipes. O governo federal montou um curso para qualificar engenheiros. Salvo engano, há doze fiscais para fiscalizar as barragens no Brasil. É um número ineficiente. Organizamos um curso de capacitação de engenheiros que serão adicionados ao quadro para termos análises mais abrangentes e rápidas. A prioridade é montar equipe e seguir a campo.

Mesmo com tudo o que aconteceu, o senhor continua defendendo a flexibilização do licenciamento ambiental?

Há uma confusão conceitual na questão. Nunca se defendeu a flexibilização de licenciamento em temas de alta e média complexidade. O que queremos é desafogar as equipes com temas que são de pequena complexidade, baixo risco, como processos de atividades agropecuárias simples. Eles se sujeitam ao processo todo de licenciamento. Temos limitação de gente e nossa obrigação é selecionar as prioridades. Onde alocar o orçamento, os recursos humanos e tecnológicos? Nos casos de médio e alto risco.

Como se classifica o que é de baixa, média e alta complexidade?

Há critérios para isso. Entre as de alta complexidade, por exemplo, estão as atividades industriais ou as de mineração.

Mesmo antes de assumir, o senhor foi criticado por ONGs do setor. Como está sua relação com essas entidades?

Muitas atividades que as ONGs desempenham são alinhadas com os interesses do governo e da sociedade. Há outras que devem perseguir seus objetivos sem contar com a participação estatal. O nome já diz: são organizações não-governamentais. Portanto, não pode ser pressuposto do trabalho delas valer-se do Estado, quer seja da estrutura ou dos recursos estatais. Os orçamentos de muitas dependem quase que exclusivamente de repasses de recursos do governo.

Pode dar um exemplo?

O Fundo Amazônia. São recursos que estão no BNDES, que é público. Os recursos que estão lá vêm da Noruega, da
Alemanha e da Petrobrás e foram doados ao governo brasileiro. Grande parte vai para atividades que estão sendo escolhidas e tocadas por ONGs.

Isso é errado, na sua opinião?

Não é certo nem errado. Mas o Poder Executivo, que foi escolhido por meio do voto, é quem tem que dizer se os objetivos estão alinhados com o que quer o governo.

O Ministério suspendeu os contratos por noventa dias. Como está esse processo e o que descobriram?

Iniciamos uma análise em diversas frentes: no Ibama, no ICMbio e no BNDES. Fui ao banco e fiquei muito mal impressionado com a sua falta de colaboração em disponibilizar as informações dos acordos.

O que aconteceu?

Queríamos consultar os processos que estão em execução no biênio 2017/2018. Deixamos claro que analisaríamos os documentos na sua integralidade. O que encontramos foi uma seleção de documentos feita a critério do banco. Fui obrigado a envolver a Controladoria Geral da União e agora faremos uma análise dos 103 contratos que já foram celebrados no âmbito do fundo amazônico com ONGs, governos da Amazônia e órgãos federais.

O senhor está colocando os contratos sob suspeita?

Quero saber o que eles são. Vimos um contrato no qual 70% do valor do convênio era para pagar o salário de funcionários da entidade que estava sendo contratada. Isso é inaceitável.

Qual será a prioridade na Amazônia?

Promover maior monitoramento das áreas nas quais há mais atividade, montando uma estratégia de fiscalização e atuação mais efetiva. O que não tiver motivo para ser coibido não será perseguido. O que é ilegal será duramente combatido.

Ouve-se essa promessa há anos. Por que agora será diferente?

Não havia eficiência na política de prevenção, comando e controle. Para isso, é preciso ter foco. Na Amazônia, esse foco significa escolher áreas prioritárias e usar a melhor tecnologia disponível para monitorar o desmatamento.

O presidente Jair Bolsonaro falou em tirar o Brasil do Acordo de Paris, sobre mudanças climáticas, e depois voltou atrás. Como estão as coisas agora?

Ambientalistas me sugeriram que fizéssemos uma viagem para a Europa e Estados Unidos para esclarecer o tema. Achei inteligente. Faremos uma viagem objetiva para reunir grupos interessados para explicitar melhor nossa posição.

Qual é a posição, afinal?

A discussão de mudança climática deve ser feita pela academia, pela comunidade científica, deve ser travada na imprensa e terá participação governamental, mas a posição do Estado não será preponderante neste momento. Temos questões prementes que precisamos resolver e que também contribuem para o combate à mudança climática. Um exemplo é o saneamento básico. É uma vergonha o nível de falta de saneamento que temos. Isso faz mal para a saúde e o ambiente e tem reflexos no aquecimento global. Ao cuidar dessa agenda tangível estamos contribuindo.

O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, que afirmou que mudança climática é um “dogma marxista”, está de acordo?

O Ernesto tem qualidades importantes e uma delas é saber ouvir. Eu, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, e o advogado-geral da União, André Mendonça, conversarmos com ele. Decidimos continuar no Acordo de Paris. O presidente a acolheu prontamente. Para nós, é uma situação encerrada.