Um dos nomes cotados para ser vice de Bolsonaro nas eleições do ano que vem, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, marca sua passagem pelo governo com uma gestão controversa. Para muitos que a conhecem, Damares, que é evangélica e se diz uma árdua defensora da moral e da ética, não coloca em prática aquilo que prega. Além de ter o costume de usar dinheiro público para transportar amigos com aviões da Força Aérea Brasileira (FAB), a ministra mantém servidores suspeitos de participar de esquemas de fraude em cargos altos da estrutura da pasta que ocupa desde o início do governo.

CONTRATOS Tatiana Alvarenga (à esq.) teria participado de um esquema suspeito na contratação de empresa de tecnologia (Crédito:Divulgação)

Damares voltou a ser o centro das atenções recentemente após vir a público o fato de ela ter dado carona à primeira-dama, Michelle Bolsonaro, e parentes dela em um voo da FAB em agosto deste ano. O avião, que fazia o trajeto de Brasília para São Paulo, tinha 16 passageiros, dentre os quais Michelle, três irmãos da primeira-dama, uma cunhada e dois sobrinhos. Episódios como esse, no entanto, são recorrentes no ministério e acontecem, pelo menos, desde o primeiro ano em que Damares está no ministério. “Enxergamos isso como um desvio moral. A igreja vê essa história da pior maneira possível, principalmente por ser uma figura pública e defender publicamente esses princípios. Isso soa como uma grande hipocrisia. Não é certo e fazer isso é se nivelar a tudo aquilo que combatemos”, afirmou um conhecido líder religioso de Brasília que não quis se identificar.

ISTOÉ teve acesso a um vídeo que circulou entre funcionários de Damares pelo WhatsApp em agosto de 2019, no qual um assessor especial da ministra aparece fazendo piadas com a sua mulher, que não é servidora pública, em um dos voos da FAB utilizados pela ministra para transportar os amigos. Damares, que estava no avião, não aparece na gravação. “Boa tarde, a comandante Damares e sua tripulação têm o prazer em recebê-los a bordo neste voo com destino a Brasília. Coloquem o encosto da poltrona na posição vertical, atendendo aos avisos de atar cintos e não fumar e verificando o travamento das mesinhas. Observem a demonstração do uso das máscaras de oxigênio, localizadas acima de seus assentos”, diz em tom de brincadeira uma funcionária do cerimonial do ministério, chamada Camila, que, no vídeo, simula ser a chefe de cabine de um avião de carreira convencional, repassando orientações antes da decolagem.

Enquanto isso, o assessor especial de Damares, Marcos Vinícius Pereira de Carvalho, conhecido entre os amigos como Feijão, entra na brincadeira como se fizesse parte da tripulação e aparece no vídeo supostamente orientando uma passageira, sentada ao seu lado. Trata-se de sua esposa, que também não é funcionária do ministério, e aproveitou a viagem para ir a Brasília, às custas do erário. A viagem aconteceu no dia 29 de agosto de 2019. Damares levou uma comitiva de seis pessoas para um evento em Florianópolis (SC). Segundo a agenda oficial da pasta, a ministra participou do Seminário Regional de Promoção e Defesa da Cidadania. Na volta, realizada no mesmo dia, o avião retornou com sete passageiros, incluindo a esposa do assessor. De acordo com colegas do casal, ambos são naturais de Santa Catarina, e aproveitaram a viagem para fazer turismo na capital catarinense.

PASTOR Humberto Lucio Lima, amigo íntimo de Damares, teve parentes empregados no ministério (Crédito:Divulgação)

Vazamentos e fraudes

O assessor, que é advogado, também já foi acusado de tentar beneficiar sua mulher e sua cunhada em um concurso público realizado pela prefeitura de Taió, cidade do Vale do Itajaí, no interior do estado. Então presidente do PSL de Taió, Carvalho foi alvo de uma ação de improbidade administrativa movida pelo MP-SC, com base em denúncias de que ele teria vazado com antecedência o edital para seus parentes e permitido que a informação chegasse a outros concorrentes antes da hora. Outro assunto que afastou muitos aliados de Damares é o fato de ela manter Tatiana Barbosa de Alvarenga no segundo cargo mais importante do ministério. Várias pessoas que já trabalharam com a ministra contam que Tatiana está por trás do que seria um esquema de corrupção no governo Bolsonaro que culminou na demissão do então ministro da Cidadania, Osmar Terra. O atual deputado pelo MDB-RS teria sido afastado por conta de suspeitas na contratação de uma empresa de tecnologia, mesmo depois de ter sido alertado pelos órgãos de controle sobre suspeitas de que a empresa seria usada como laranja para desviar verbas públicas. Na época, Tatiana era secretária-executiva de Terra.

Também naquele período, Terra disse que demitiria toda a equipe que participou da contratação dessa empresa. Quatro funcionários, no entanto, continuaram com cargos no governo. Tatiana e seu subalterno na Cidadania, Paulo Roberto de Mendonça e Paula, foram dois deles. Ambos continuaram trabalhando juntos no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos até fevereiro de 2020, quando Damares decidiu exonerar Mendonça e Paula por terem sido eles a assinar o contrato fraudulento do Ministério da Cidadania. O que teria acontecido, segundo colegas, por ordem da própria Tatiana, que então era secretária-executiva e a verdadeira responsável pelos contratos celebrados pela pasta. Como secretária-executiva de Damares, Tatiana, que é economista, recebe um salário de R$ 18 mil. Procurados, o ministério e Tatiana Alvarenga não se manifestaram. Damares também virou alvo de críticas de seus amigos mais antigos por ter dado emprego a familiares do pastor Humberto Lúcio Lima, de quem a ministra ficou muito próxima após trabalharem juntos no gabinete do deputado Roberto de Lucena (Podemos-SP), em meados de 2011. O genro do pastor ainda trabalha no ministério.“Isso não existe mais (relação com Damares). Minha vida profissional, familiar e ministerial foi destruída. E a dignidade também”, disse Lima à reportagem.