Já se sabe há muito tempo que as mulheres não têm vez e voz dentro do Vaticano. A central de poder católica é, basicamente, sustentada e dominada por homens. A escolha de Francisco como papa, porém, mudou um pouco a situação. Desde sua posse, em 2013, diversas mulheres começaram a assumir funções decisórias na Santa Sé. Como bem pontuou a italiana Barbara Jatta, depois de colocada por Francisco na direção do Museu do Vaticano, eles passaram a atingir cargos de maior destaque pelas suas qualidades e atributos intelectuais. Foi justamente com a nomeação de Barbara que o domínio dos homens sofreu um pequeno abalo em Roma. Ainda que a sede da Igreja continue masculina, já se percebem novos tempos.

Entre as mulheres que cercam o papa há outros destaques. O primeiro é Francesca Di Giovanni, advogada italiana que assumiu, em janeiro desse ano, a Secretaria de Estado do Vaticano. O cargo nunca antes havia sido exercido por alguém do sexo feminino. Francesca responde por todas as questões diplomáticas da Igreja, as chamadas relações multilaterais. Também vale destacar a brasileira Cristiane Murray, que desde julho do ano passado é a porta-voz oficial de Francisco. A carioca, formada em Administração de Empresas e Marketing pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, é vice-diretora da Sala de Imprensa e, por isso, tem, cotidianamente, reuniões com o papa, numa rotina delicada e que não a intimida.

“Não vejo entraves e me sinto encorajada por ele a me sentir à vontade, a desempenhar meu trabalho com seriedade e a não renunciar às especificidades de ser mulher”, disse. No Brasil, Cristiane já vinha estabelecendo contato e relações com a Igreja. Um ano antes de assumir o cargo, em 2018, a administradora colaborou na Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos, que funcionou como um preparativo para o Sínodo sobre a Amazônia, realizado em outubro do ano passado.

Atualmente, são 950 mulheres atuando no Vaticano, 21% da força total de trabalho. Em 2013, eram 600. Na ala feminina ainda há predominância de serviços braçais, de cozinha, limpeza e de assistência telefônica. Um cenário recorrente desde 1915, quando, pela primeira vez, uma mulher pisou na sede da Igreja Católica para trabalhar e não rezar. A costureira cuidava de toda a mobília do papa Bento 15, que comandou a Igreja de 1914 a 1922. Já a primeira mulher a integrar o Estado do Vaticano com um responsabilidade técnica foi a arqueóloga alemã Erminia Spier, nascida em 1898. Ela foi contratada pelo papa Pio XI, em 1934. A curiosidade sobre Ermínia é que ela era judia, mas se converteu ao catolicismo.

Lenta abertura

Durante o século passado, as mulheres seguiram entre a linha, o tecido, a costura e a limpeza, até o início do mandato de Francisco. “O que o papa Francisco fez de mais significativo para elas foi indicar uma advogada italiana para Secretaria de Estado, mas quando o assunto é a ordenação ele descarta imediatamente a mudança”, explica a freira Diane Cundiff, membro da Congregação Irmãs da Santa Cruz. Apesar das contratações inéditas, Cundiff explica que não é possível falar em um movimento feminista dentro da Igreja. Os passos ainda são lentos e as nomeações foram para funções que antes eram exercidas por homens. O sexo feminino não pode ministrar missas ou assumir tarefas de preparação religiosa. “Quando as pessoas começaram a falar sobre a indicação dessa abertura eu digo que ela é lenta se considerarmos que mais da metade dos católicos são do sexo feminino”, completa. Apesar dos passos curtos para a diminuição da desigualdade entre homens e mulheres no coração do poder católico, o Vaticano é um dos únicos lugares do mundo em que não há diferença salarial entre os sexos. Além disso, a idade mínima de aposentadoria é a mesma para homens e mulheres, no caso de funcionários laicos. A questão é que mesmo com as pequenas mudanças, o Vaticano segue atrasado quando se fala em desenvolvimento e igualdade. Se a Igreja demorou tantos anos para contratar mulheres, quantos anos serão necessários para que haja uma bispa?

Padre não casa

Em outubro do ano passado, durante o Sínodo da Amazônia, 128 votos aprovaram a ordenação de homens casados como padres da região amazônica. Quatro meses depois, o papa Francisco, defensor do celibato, descartou completamente a proposta e esquivou-se, quando possível, do assunto. Em fevereiro desse ano, ele divulgou um documento intitulado “Exortação Apostólica Pós-Sinodal Querida Amazônia” e pediu apenas o envio de novos padres para a região.