O imponderável atravessou o caminho de Michel Temer e o lançou na presidência da República. Com ele volta ao poder o partido que se notabilizou por liderar coligações, por gerenciar os rearranjos de apoio e a pauta de assuntos no Congresso, por dar sustentação a mandatários da esquerda e da direita (independente de identificação ideológica) e que sempre habitou as maiores esferas decisórias sobre os rumos do País, mesmo quando não era governo. Temer é o terceiro vice a assumir o posto desde a redemocratização – antes dele, Itamar e Sarney, também peemedebistas, chegaram lá – e o novo titular encara, por isso mesmo, dois enormes desafios logo de saída: se diferenciar, para melhor, de seus antecessores e acomodar o amplo leque de interesses distintos da sigla que é vista mais como uma verdadeira federação de caciques do que como mero partido. Sarney estreou com o Plano Cruzado, angariando fiscais a sua causa e deixou de legado resultados traumáticos: a inflação na casa dos 80% ao mês, desemprego em massa e dívida externa pendurada. Itamar, após um início vacilante, marcou a passagem por Brasília com o sucesso retumbante do Plano Real, que estabilizou a economia. Temer almeja ir além. Levanta a bandeira branca da pacificação de forças e quer trazer o País de volta aos trilhos a qualquer custo. Seu maior sonho: que ao fim e ao cabo, nos dois anos e quatro meses que lhe restam de mandato, boa parte dos brasileiros possa considerar que ele cumpriu com o prometido. Reeleição está fora do horizonte, assegura. Não acalenta nem a pretensão de entrar para o panteão dos grandes ícones da sigla, aonde despontam nomes do naipe de Ulysses Guimarães e Tancredo Neves. Ao menos é o que diz. Ao seu tempo, Tancredo foi ungido por uma articulação de legendas como alternativa à soberania militar que já durava mais de 20 anos. Coube a uma fatalidade do destino interromper a sua posse. Sarney entrou no lugar. Ulysses, o maestro da abertura política, também sonhou com o Planalto e concorreu nas eleições, sem sucesso. Seguiu como eminência parda de chefes de Estado aliados. Nos dias atuais, Temer terá de conviver, da mesma maneira, com uma espécie de sombra. O senador Renan Calheiros, operador do Congresso, postula a vaga. Não apenas por ter nas mãos os desígnios dos projetos na casa parlamentar. O seu tráfego livre, inclusive no campo minado dos opositores, é o trunfo que oferece em troca. Foi dele – ao lado de Lula, Kátia Abreu e José Eduardo Cardoso – a tenebrosa ideia de uma gambiarra que livrou Dilma da inelegibilidade. Como neutralizar a ameaça desse interlocutor tão pouco confiável, movido a concessões e entendimentos mesmo para com o inimigo? Temer e Renan são parceiros acidentais, unidos pela legenda, mas de maneira velada estão em lado opostos, seja por atos ou convicções. A traição, nesse contexto, é um perigo irremediavelmente presente. E o mandatário, ciente da fragilidade da aliança que os une, vai manter Renan por perto sem ver nele um conselheiro preferencial. É da sua natureza equilibrista, como hábil negociador que se mostra, curtido no jogo rasteiro das vicissitudes parlamentares que de longa data marca a cena brasiliense. Após três mandatos de presidente da Câmara, anos como dirigente partidário, advogado e professor de direito, além de incursões na vida literária, ele alçou ao poder pela via indireta – na garupa da votação de 61 senadores e 367 deputados -, consagrando-se como o 37º presidente da República e quer agora costurar a governabilidade pelo diálogo. Terá, no entanto, de aprender a dizer não. Muitos o criticam por ceder demasiadamente. Na fase inicial de interinidade, ao longo de 100 dias, acomodou pedidos de todos. Não poderá mais agir assim. Acabou o voto de confiança do mercado para recuos estratégicos. Aumentaram as cobranças. Se não mostrar resultados rapidamente sairá da lua de mel. Na primeira reunião ministerial, atendendo a demanda, mudou o tom. Falou grosso. Disse que não ia continuar levando desaforos para casa. “Golpista é você”, retrucou à fala da presidente deposta, Dilma Rousseff, feita momentos antes. Passou pito nos senadores e aliados que votaram no plenário em desacordo com o combinado sobre o impeachment. “Não será tolerada essa espécie de conduta. Quem não quer que o governo dê certo declare-se contra o governo e saia”. Para ele, um constitucionalista de carteirinha, foi “inadmissível” fatiar o processo. Prometeu brigar ao lado das agremiações que pretendem contestar no Supremo a sentença casuística.

O Temer moderador, decerto, não saiu de cena. Apenas vai dividir o tempo com uma faceta, digamos assim, mais arrojada. Das palavras à ação, terá os maiores embates na área econômica. Quer com o capital político concedido a qualquer mandatário em início de gestão dar andamento as reformas. Muitas delas mexem em vespeiros. A da previdência, por exemplo, vai incluir inevitavelmente medidas duras e impopulares. Mas não antes de um esclarecimento geral à Nação sobre a necessidade delas em troca da sobrevivência do sistema que está, literalmente, quebrado. Temer buscará uma fórmula que iguale benefícios públicos e privados. Militares deverão ficar de fora. Afinal não é aconselhável provocar, nesse momento, eventuais resistências de fuzis e baionetas. Vários foram os antecessores que perseguiram o intento de ajustar as aposentadorias, mas por receio de críticas ou falta de disposição para a briga desistiram de última hora e deixaram um rombo em escala geométrica e impagável para o sucessor. Temer convoca apoios para seguir adiante, contrariando os populistas irresponsáveis que estão pouco se lixando para a disciplina orçamentária. Só o tempo dirá se ele logrará êxito na contenda. O ajuste fiscal é a pedra de toque de qualquer pretensão de sucesso na sua administração. E nesse sentido ele vai encaminhar, sem demora, a proposta de emenda constitucional (PEC) que estabelece teto para gastos tanto na esfera federal como nas estaduais e municipais – incluindo as áreas de saúde e educação. É uma outra maneira de governar, mais em sintonia com os anseios de uma Nação que persegue o desenvolvimento. Concessões públicas, revisão dos programas sociais adequando-os sem perdas de direitos, incentivo ao emprego através da flexibilização das leis trabalhistas e ainda a garantia de pleno funcionamento de investigações policiais, como a da Lava-Jato, estão no escopo de suas prioridades. Na síntese das missões desponta o genuíno desejo de acertar. Sem improvisos, com legitimidade e senso de respeito à coisa pública.

Fotos: Beto Barata/PR; Joédson Alves/Última Cortina