Assim como os demais vírus, também o Sars-Cov-2, responsável pela pandemia de Covid-19, precisa das células humanas para sobreviver. Nelas, o vírus se replica e, nesse processo natural, pode ocorrer a multiplicação com alguma falha genética que distancie determinados exemplares de sua linhagem principal. O produto dessa falha é o que a ciência chama de variantes — e elas nascem mais ou menos agressivas, com maior ou menor potencial de transmissibilidade. A mais recente variante é a mutação denominada Delta, que já se espalha por 130 países, segundo dados divulgados na semana passada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). Também na última semana, cientistas concluíram que cerca de 90% dos casos de sequenciamento genético do vírus da Covid, abrangendo o planeta, apresentam atualmente a variante Delta. E, novamente, reforçaram em âmbito mundial a necessidade do uso de máscaras, mesmo nos países que já as tinham abolido. É uma regressão? Sim. Mas inevitável.

EFEITO DELTA Los Angeles ter tirado a obrigatoriedade das máscaras, elas, agora, voltam a ser compradas; em Sydney, na Austrália, onde conseguiu-se zerar as mortes pelo vírus, o lockdown foi retomado; na cidade de Jerusalém, em Israel, começou o terceiro ciclo de vacinação

Menos nociva para o organismo humano, mas não necessariamente menos perigosa, ela vem infectando, sobretudo, os incautos que não quiseram ou as populações pobres que não puderam se vacinar. Esse fato demonstra, mais uma vez, a importância da vacinação. Não importa a farmacêutica, todas as vacinas são boas. A exemplo da maioria dos imunizantes para qualquer enfermidade, no entanto, também as referentes à covid possuem uma margem de escape. Isso não invalida nenhuma vacina. Tragicamente, para humanidade, a Delta invade o sistema respiratório e, vai-se descobrindo agora, que essa variante ataca os rins (as primeiras cepas, no início da pandemia, também o faziam), podendo levar os pacientes à hemodiálise. No Brasil, até a quarta-feira 11, eram contabilizados aproximadamente seiscentos e cinquenta casos — trata-se, sem alarmismos, de um número já bastante preocupante, uma vez que, cada pessoa infectada pela Delta, a transmite para outros seis indivíduos: seis transmitem para trinta e seis, que transmitem para 216 e assim por diante. Quanto maior a transmissibilidade, maior é a inevitabilidade de o vírus gerar novas variantes. “A Delta é mais transmissível porque tem a capacidade de usar, com muito mais facilidade em relação a demais cepas, substâncias do próprio organismo para ingressar na célula”, explica Luiz Carlos Dias, professor titular do Instituto de Química da Unicamp e Membro da Academia Brasileira de Ciência.

Devido à Delta e por decisão da Justiça, o primeiro caso de passaporte sanitário deverá vigorar no Brasil. Se isso ocorrer, só desembarcará no Ceará quem comprovar a vacinação ou teste negativo

A variante Delta, segundo Dias, replica-se no organismo humano com maior velocidade e em maior quantidade, também se cotejada a outras linhagens. É como se as proteínas do vírus fossem uma chave feita sob medida para a abrir a fechadura da célula. “Mesmo a China, que lidou bem com a pandemia, teve de voltar a impor medidas restritivas na cidade de Wuhan”, diz Dias. Segundo especialistas chineses, a contaminação pela Delta está, no país, pior que no começo da pandemia. Além desse regresso ao passado, repete-se outra cena: o governo dos EUA, onde 47,3% da população adulta tomaram as duas doses de vacina e 70% imunizou-se pelo menos com a primeira, já se recomenda que os norte-americanos não viajem para França, Tailândia, Austrália e Israel. Os israelenses, por sua vez, já deram início ao terceiro ciclo vacinal como proteção contra a Delta e anunciaram lockdonwn.

No Brasil, essa variante, até o momento, não é predominante (segue sendo a Gama). Mas, como forma de prevenção, o governo do Ceará entrou na Justiça para solicitar a obrigatoriedade da apresentação de teste negativo ou o comprovante de duas doses de vacinação às pessoas que forem ao estado — é o início do passaporte sanitário no País. “Mas já temos o sequenciamento genético da Delta”, diz Felipe Naveca, pesquisador da Fiocruz, no Amazonas. “Dependendo da realidade de cada local, novas medidas restritivas podem ser necessárias”. Em alguns países, máscaras foram lançadas ao ar em comemoração a vitória sobre o vírus, e será difícil fazê-las cair novamente sobre os rostos. Nos EUA, em Los Angeles, elas voltaram a ser obrigatórias. E, na Austrália, pelos menos cinco cidades, entre as mais importantes, já entraram em lockdown. “A pandemia demonstrou ser uma doença dinâmica. É difícil, mas as pessoas têm de se adaptarem”, diz Raquel Stucchi, infectologista da Unicamp e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia. “Escócia, Canadá e Cingapura, por exemplo, até já possuem estudos mostrando que a Delta poderá se tornar mais agressiva do que imaginamos”.