A psicóloga clínica Bel Cesar acompanha pacientes terminais desde 1991. Sua intimidade com a finitude não a poupou do susto quando, em julho de 2017, recebeu o diagnóstico de um câncer na tireoide. Às vésperas de uma viagem ao Tibete, em que visitaria seu filho, o Lama Michel Rinpoche, resolveu dar-se tempo ao invés de tomar decisões apressadas sobre o tratamento. Tempo. Para sentir, sondar suas necessidades e encontrar possibilidades. “O importante era não ter mais pressa. Escolhi trabalhar menos, fazer viagens mais longas, enfim, negociar com o tempo sendo mais generosa comigo.” Bel embarcou para o Tibete e encontrou, nos monastérios budistas, o cenário desejado para estar consigo mesma.

Algumas soluções inesperadas apareceram simplesmente por manter uma postura receptiva, como a oportunidade de fazer a cirurgia de extração da tireoide em Pequim, no Hospital Geral do Exército de Libertação do Povo. “Não precisamos ir tão rápido como a medicina ocidental propõe. Quando você sabe o que fazer com você mesmo, o tempo é precioso, mas quando não sabe lidar com o medo, a dúvida e a ansiedade, quer que acabem logo com o problema”, diz Bel, que decidiu escrever “Câncer, quando a vida pede por um novo ajuste”, com lançamento previsto para a quarta-feira 29, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo. “Minha intenção com o livro foi mostrar o que é possível fazer quando surge uma doença ou adversidade: encontrar tempo e espaço interno, tanto quanto possível. Não se acelerar nem pretender acelerar o mundo para não sentir a si mesmo.”

“Respeite seu tempo interior — ele precisa ser consultado. Do que preciso agora? Conhecer a própria vulnerabilidade é um modo de se fortalecer” Bel Cesar, psicoterapeuta e escritora

No corpo e na alma

Bel relata seu processo de cura nos níveis físico, psíquico e espiritual. Ela acredita que uma experiência pessoal compartilhada beneficia quem a escuta e quem a relata, por isso escreveu o livro logo após o tratamento. Nele, resgata sua trajetória de iniciação ao budismo tibetano e cita ensinamentos que a ampararam e lastrearam suas decisões. Também traz dados científicos e depoimentos de médicos brasileiros, chineses e americanos, que dão embasamento às pesquisas sobre o tratamento do câncer na tireoide e à opção por ela escolhida.

A autora não nega que as doenças da alma tenham seu potencial desequilibrador, mas, para ela, atribuir a origem de uma enfermidade somente à ferida emocional é uma visão parcial sobre um conjunto complexo de vários fatores, como a herança genética, a toxidade do ambiente, o estilo de vida, o comportamento, a alimentação, a qualidade do sono, a rotina de exercícios físicos. “É importante que esta ideia ‘você fez seu câncer’ seja reformulada, pois ela parte da premissa arrogante de alguém ter o poder de ser o único criador de um evento tão multifatorial como o câncer. Além disso, a postura sobrecarrega emocionalmente quem já está fraco por estar doente fisicamente.”