Se podemos considerar a Primeira Guerra como um dos mais sanguinolentos eventos da jornada humana, no qual se lutava e se matava corpo a corpo com a baioneta fixada na ponta do fuzil, mais drástica ainda era a hemorragia interna decorrente da gripe espanhola — as pessoas, antes de morrerem por não mais conseguirem respirar devido à infecção dos pulmões transformados em frangalhos, sangravam no interior do próprio corpo, segundo relatos médicos da época. Tudo isso decorria de uma “tempestade imunológica” que se dava no organismo do doente, uma vez que para o seu sistema natural de defesa orgânica o invasor H1N1 era completamente desconhecido. A ciência e a medicina aprenderam muito com a gripe espanhola, mas isso está longe de significar que no Brasil e em alguns outros países determinados, líderes políticos também tenham aprendido com a terrível catástrofe.

Rogrigues Alves Eleito, o presidente não assumiu o cargo: a peste foi mais rápida

A história se repete

Se alguns governantes gostam de esconder a verdade nessas ocasiões, como o fez a China quando detectou o novo coronavírus, imagine-se em tempos de guerra. Foi assim que Alemanha, EUA, França e Grã-Bretanha preferiram ocultar os primeiros casos, surgidos nas trincheiras e em quarteis americanos, para não derrubar o moral das tropas. Coube à Espanha, isenta no conflito, noticiar que uma pandemia estava nascendo. E foi por isso, somente por isso, que a gripe surgida nos EUA se chamou gripe espanhola. A demora na ação sanitária dos países foi fatal. A medida profilática da quarentena para evitar aglomerações demorou a ser determinada. A transmissibilidade do H1N1 era tão veloz como é a da Covidi-19. Para aqueles que são contrários ao isolamento, como o presidente Donald Trump (apesar de ter perdido o avô na gripe espanhola) e o seu pupilo Jair Bolsonaro, tomemos o exemplo da Filadélfia e de St. Louis. Em 1918, manteve-se um ato público patriótico na Filadélfia. Resultado: em três semanas, doze mil pessoas morreram. Em St. Louis, as manifestações foram proibidas: registraram-se seiscentos óbitos no mesmo período. Ou seja: impedir a circulação de pessoas e o contato entre elas é uma das principais lições que a peste de 1918 nos legou.

No Brasil, a gripe espanhola chegou a bordo do navio português Demerara, que aportou em Salvador, Recife e Rio de Janeiro. Muitos consideraram o vírus, no início, como “gripezinha”. Quis o destino que no País, onde morreram trinta e oito mil pessoas, morresse também o presidente eleito Rodrigues Alves. Naquela época a aviação estava somente começando, mas o tráfego de navios era intenso e os vírus, “embarcados” neles, passavam de uma nação à outra. Se agora fechamos fronteiras e aeroportos, é porque o monstro da espanhola nos explicou que os portos deveriam ter sido imediatamente fechados. Estávamos naquela época muito distante da globalização, era ela impensável, sobretudo ao sair-se de uma guerra. Fácil imaginar como a Covid-19 tem a seu favor o planeta que, atualmente, dada a velocidade dos meios de transporte, tornou-se uma ervilha. Finalmente, como sempre ocorre em situações de pandemia e calamidade pública, surgem as medicações que tudo prometem e nada fazem ou colocam ainda mais em risco a vida dos pacientes. Hoje se fala em hidroxicloroquina. Trata-se de fato de excelente remédio para pneumonia, mas nada está comprovado em relação ao coronavírus. Tem de ser administrado somente quando necessário (estado bem grave) e sob orientação médica, tantos são os seus efeitos indesejados e colaterais. Nos tempos da espanhola, no Brasil, começou a circular o boato de que limão com aguardente matava o H1N1. Detalhe: foi dessa enorme ignorância que nasceu a famosa caipirinha. Melhor que não tivesse nascido, sinal de que não teria havido a peste de 1918. Mas, já que ela ocorreu, apendemos com as lições que nos deixou.