Às quintas-feiras, o presidente Jair Bolsonaro costuma realizar sua live para falar à população sobre questões que afetam o País. Para transmitir a mensagem ao público surdo, três intérpretes de libras, Elizângela Ramos de Souza Castelo Branco, Fabiano Guimarães da Rocha e Lucas Moura se revezam semanalmente ao seu lado. Apesar da proposta inclusiva, o evento se tornou uma exposição de baixo nível, um show de palavras de ódio e baixo calão, no qual os tradutores fazem gestos obscenos, interpretam pessoas morrendo por falta de ar, devido à pandemia, e fazem malabarismos para tornar compreensíveis os impropérios que vêm de Bolsonaro. A comunidade surda, porém, não vê a encenação com bons olhos.

+ Linguagem sem sons, mas com sotaques
+ Libras em live é coisa séria
+ Horizonte ampliado

É o que expressa Valdo Nóbrega, 37, professor universitário, que tem surdez bilateral profunda. Ele afirma que ao contrário do que se imagina, tanto a mensagem do presidente, que utiliza intérpretes para falar a pessoas com deficiência auditiva, como a da primeira-dama Michelle, que fala em libras, representam uma agressão. “O casal presidencial, explicitamente, tenta cooptar os surdos”, afirma. O professor entende que o conhecimento em língua de sinais da primeira-dama é sofrível e utilizado para iludir esse público. “A intenção é fazer as pessoas acreditarem que o governo faz parte de um plano divino”, diz Nóbrega. Ele acredita que o governo utiliza uma cortina de fumaça com esse tipo de mensagem para não transparecer a crítica situação pela qual a sociedade brasileira passa. Ainda diz que a gestão Bolsonaro entra para história como o governo da indiferença e da mentira. “São mais de 440 mil mortes por Covid-19, todos perdemos amigos, familiares e colegas e o presidente continua com fake news”, lembra.

No nebuloso universo do bolsonarismo há mentiras, omissões, desprezo pela vida e perversidade, todos elementos que estão sendo demonstrados na CPI da Covid, no Senado. Mas há outra nuance que se apresenta nas redes sociais que a comunidade surda se integra: a perseguição. Pessoas que têm posicionamento crítico ao governo e tudo o que o envolve, estão sofrendo ataques constantes. Uma professora surda de 46 anos, atuante nas redes sociais, mas que prefere não se identificar por causa dos xingamentos que vem recebendo, conta que quando percebeu “o tamanho da enrascada que o Brasil se encontra”, começou a se posicionar criticamente. Bolsonaristas, porém, começaram a persegui-la. Segundo ela, essas pessoas sentem-se privilegiadas pelo fato de a administração federal utilizar o trabalho de intérpretes de libras e, inocentemente, acreditam que o governo preocupa-se com suas necessidades. Ela entende que na realidade há um desmonte das políticas públicas direcionadas à comunidade. “Essas pessoas estão sendo enganadas. Na verdade o governo Bolsonaro não se preocupa com a gente”, afirma.

Compromissos assumidos

Antes de assumir, Bolsonaro firmou compromissos com a comunidade surda em 17 pontos que, se eleito, implementaria no governo. São importantes medidas relacionadas, principalmente, à educação e à saúde que ajudariam as pessoas surdas a serem plenamente atendidas em instituições de ensino e hospitais. Na prática, ele só instituiu um dos compromissos, a participação de intérpretes de libras nos seus discursos públicos. E passaram a representar com sinais até escatológicas as mensagens do presidente. A s mensagens são transmitidas de forma que até quem não é fluente em libras entende a falta de compaixão do presidente para com as vítimas da pandemia. Segundo Mariana Lima, que há mais de 20 anos atua como intérprete da língua brasileira de sinais, a profissão exige o máximo de comprometimento e ética. Mesmo que o profissional não concorde com o que está sendo dito, ele tem que transmitir a mensagem exata. Mas, no caso dos tradutores do presidente, há outra explicação para a realização do trabalho com tanto ímpeto: o apoio fervoroso a Bolsonaro.