Atualmente a ofensiva governamental ocorre na província de Idlib, no noroeste do país. Mais de 900 mil sírios, a maioria mulheres e crianças, fugiram dessa ofensiva apoiada por russos e milícias pró-Irã, buscando abrigo perto da fronteira com a Turquia. Três milhões são afetados diretamente.

O conflito sírio, que se expandiu a partir de 2011, junto com a Primavera Árabe, visava especialmente a deposição da ditadura familiar que perdura desde os anos 1970. Mas evoluiu com a expansão local do grupo terrorista Estado Islâmico e a participação de potências internacionais. Os EUA, que lideraram uma coalizão em 2014 para combater o Estado Islâmico, atualmente não participam das ações. A Rússia apoia a ditadura de Assad, que também tem o suporte do regime iraniano. A Turquia, que recebeu a maior parte dos refugiados (3,5 milhões), ocupa posições estratégicas no país e vinha mantendo um acordo tácito com a Rússia, mas nessa última ofensiva seus interesses passaram a ser divergentes. Com isso, os turcos ameaçam revidar o avanço das forças governamentais, apoiadas pela força aérea russa.

Desde 2011, ocorreu uma verdadeira diáspora. Só a Europa recebeu cerca de 1,5 milhão de refugiados, o que despertou o racismo e a xenofobia — e levou à ascensão de movimentos populistas de direita. Em alguns casos, os refugiados eram hostilizados e seguidos por tropas a cavalo ou contidos com cercas de arame farpado. Em outros, eram marcados com números no antebraço — lembrando os cenários de horror da Segunda Guerra. A recepção mais dura aconteceu em países como República Tcheca, Hungria e Áustria. Na Alemanha, por outro lado, a chanceler Angela Merkel permitiu a entrada de um grande contingente, mas pagou um preço político alto. Mais de 5,5 milhões de sírios procuraram países fora do continente europeu. Além da Turquia, o maior volume de exilados se dirigiu ao Líbano (914 mil), Jordânia (655 mil), Iraque (247 mil) e Egito (31 mil). Atualmente, todas as fronteiras foram fechadas, mas a tragédia permanece internamente. Dentro da Síria, 6 milhões deixaram suas casas.

As crianças são vítimas diretas da guerra. Há algumas que aos 12 anos sofrem tortura e são privadas de comida, água e atendimento médico. Muitas vezes são recrutadas para atuar como soldados

Tudo isso é agravado pela atual ameaça turca de retomar 13 postos de observação, que foram conquistados pelas forças leais a Assad — de um total de 31 que a Turquia havia estabelecido na região. O secretário-geral da ONU fez um apelo contra as hostilidades, mas sem resultados imediatos. As crianças são especialmente atingidas, como apontou um relatório da ONU divulgado em janeiro. Escolas e hospitais frequentemente são alvos de ataques — que já incluíram o uso de armas químicas. Meninos, meninas e mulheres foram submetidos a violência sexual como ferramenta para punir, humilhar e instilar medo nas suas comunidades. A lista tem requintes de maldade: crianças são alvo de atiradores de elite da forças governamentais.

Meninas de até 9 anos foram usadas como escravas sexuais por grupos terroristas. Outras foram executadas. A crueldade chega ao ponto de usar as próprias crianças para realizarem execuções. A dimensão dessa tragédia aumenta a dívida moral com as vítimas. Nenhuma justificativa é suficiente para explicar a guerra civil às crianças que perderam a infância e foram forçadas a participar de um conflito que não podem compreender.

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“A situação é desesperadora”

A região de Idlib [noroeste da Síria] vive um drama particularmente grave, segundo o brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro, presidente da Comissão de Inquérito da ONU sobre a Síria. “Em 25 anos de trabalho na ONU, nunca vi em uma semana 900 mil pessoas se deslocarem de um lugar para outro. O sul [da Síria] está praticamente despovoado.”