Depois de um começo de mandato marcado por desconfianças, duras críticas e até acusações de golpismo, Lula tem praticado uma política de morde e assopra com os militares, o que tem irritado a caserna. Ao mesmo tempo em que o governo prepara uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para impedir a atuação dos fardados da ativa na política, troca afagos com a cúpula das Forças Armadas, tentando uma conciliação. A mudança, articulada pelo ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, parecia improvável, sobretudo após Lula pedir o endurecimento das punições aos integrantes das três forças que participaram dos atos golpistas de 8 de janeiro. Na ocasião, o presidente acusou parte dos militares de serem condescendentes com as invasões ocorridas nas sedes dos Três Poderes e substituiu o Comandante do Exército. Demitiu o general Júlio César de Arruda e colocou no seu lugar o general Tomás Miguel Ribeiro Paiva. Agora, Lula diz querer uma convivência pacífica. Participa de encontros com oficiais, promete liberar recursos para projetos de interesse da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, e agenda idas a solenidades da caserna, como formaturas.

Na quarta-feira 15, o presidente Lula deu início à série de encontros com as cúpulas das Forças. Acompanhado do ministro José Múcio, almoçou no comando da Marinha. Ficou lá por cerca de três horas. No cardápio, ouviu pedidos do almirantado por recursos e apoio para projetos estratégicos, a exemplo do Programa Nuclear da Marinha (PNM) e do Programa de Submarinos (PROSUB). Lula, em tom informal, demonstrou disposição em atendê-los. O presidente escalou, inclusive, o vice-presidente Geraldo Alckmin para conversar com os chefes de cada Força e o do Estado-Maior, para elencar suas prioridades.

CONCILIADOR O ministro José Múcio reconstrói as pontes entre Lula e os militares (Crédito:Adriano Machado)

Se Lula afagou a Marinha de um lado, a força retribuiu de outro. Demonstrou esforços em despolitizar seus quadros. Por meio do Boletim de Ordens e Notícias, deu um prazo de 90 dias para que todos os seus integrantes se desfiliem de partidos políticos sob pena de sofrerem sanções, como a expulsão da corporação. Na prática, a Marinha cobra dos seus membros respeito à lei, que já veda a filiação de militares da ativa a agremiações políticas. E, a depender das cúpulas da Marinha, da Aeronáutica e do Exército, a legislação ficará ainda mais restritiva. Os comandos das três Armas já demonstraram concordar com a PEC desenhada pelo Ministério da Defesa com o intuito de restringir a participação de militares da ativa em postos-chave da administração pública ou de concorrem a cargos eletivos. O texto, se aprovado pelo Congresso, tornará obrigatório que integrantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica abandonem a farda de vez caso ocupem um ministério ou concorram a cargos eleitorais, independente do resultado. Aqueles que tiverem alcançado o tempo necessário para aposentadoria migrarão para a reserva, e os demais terão de procurar outras carreiras. Para Igor Acácio, doutor em ciência política pela Universidade da Califórnia e pesquisador da Universidade Tulane, em Nova Orleans, a mudança representaria um avanço institucional. Atualmente, a legislação em vigor permite que os militares se licenciem para disputar pleitos ou ocupar funções no governo e depois regressem aos postos. “Isso é um problema. Ao saírem desses cargos ou perderem as disputas, eles voltam, o que gera um risco de contaminação nos quartéis”, analisa.

CRÍTICO O general Hamilton Mourão é contra limitações de militares na política (Crédito:Edilson Rodrigues)

“Todos eles têm o direito de se candidatarem ou, se convidados, ocuparem ministérios, desde que não retornem às funções militares. Caso contrário, corremos o risco de ter uma mistura perigosa entre política e Forças Armadas, similar à ocorrida na gestão Bolsonaro”, complementa Acácio. Segundo levantamento do Tribunal e Contas da União (TCU), o número de militares da reserva e da ativa em cargos civis da máquina federal disparou durante o governo Bolsonaro. Chegou a mais de seis mil e incluía ministros então na ativa. Era o caso do general e agora deputado Eduardo Pazuello (PL-RJ). A proposta do Ministério da Defesa é mais conservadora do que a defendida por parte da bancada do PT. Parlamentares da sigla querem que as alterações coloquem fim também nas iniciativas de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), em que militares são acionados para preservar a ordem pública. Mas, mesmo mais branda, a iniciativa do governo é criticada por setores da oposição. General aposentado e ex-vice-presidente, o senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), chegou a declarar à imprensa que as mudanças fariam dos militares “cidadãos de segunda categoria”, sem os mesmos direitos dos demais.