Não é pequena a lista de problemas que a caótica gestão bolsonarista legou para quem assumir o governo a partir de 1º de janeiro. A começar pelo tamanho do astronômico rombo e dos riscos fiscais que somam uma conta de nada menos que R$ 5 trilhões – um verdadeiro PIB –, dos quais R$ 697 bilhões contratados só no último ano em pendengas judiciais contra a União e dívida ativa. Isso é, passivos contingentes que ocorrem associados a decisões da própria administração em atividade. Em obras federais paradas, o número chega a 38,5% do total nos últimos dois anos, segundo o TCU. Maior percentual visto em muito tempo. O Painel de Obras Paralisadas contabiliza ao menos 4.473 delas nessa situação na área de Educação, outros 2.869 contratos interrompidos em setores diversos, mais 388 em Saneamento, 289 em Saúde e 277 referente à Infraestrutura de Transporte. Não é pouca coisa. Para recolocar tais demandas nos trilhos serão precisos muito mais recursos do que os existentes, que os previstos e os pretendidos. Não há garantia de sinal verde, nem espaço de negociação parlamentar para começar a discutir o assunto. Na escala de prioridades surgem tantas medidas urgentes que o difícil é saber qual delas é dispensável. Retrato sem retoques, evidente, da desgovernada passagem de um capitão destrambelhado pelo poder que, como previsto, não teria mesmo como dar em boa coisa. Bolsonaro foi um cancro no País. Os efeitos colaterais do que provocou custarão a passar. Os descalabros se estendem por caminhos tão distintos que, na prática, colapsou por completo o Estado brasileiro. Meio Ambiente, Ciência e Cultura – pode ir lá verificar a quantas andam a realidade e o abandono – vivem dias de terra arrasada. O prenúncio do caos montado pelo “mito” Messias foi percebido ainda durante a pandemia que causou 700 mil mortes. Desperdício de remédios e imunizantes, negligência no atendimento às vítimas, falta de planejamento e de presteza no combate à doença viraram tônica. Dias atrás, a equipe de transição do presidente eleito Lula constatou um prejuízo de nada menos que R$ 2 bilhões em medicamentos vencidos e equipamentos sucateados. Não houve um mínimo de atenção nesse aspecto. Lá atrás, até testes de Covid, comprados e não usados (vá-se saber lá porquê) foram parar na lata de lixo. Isso não ocorre à toa, sem consequências. Todos nós vamos nos ressentir do monumental erro da escolha de um ensandecido para ocupar o Planalto pelos últimos quatro anos. Hoje, no Brasil vergado pela irresponsabilidade federal, até a vacinação infantil, que era sinal de excelência nacional, reconhecida pelo mundo inteiro como uma das mais eficientes operações do tipo, apresenta os efeitos deletérios de um desmonte logístico inaceitável. Estamos diante, certamente, de um cenário dantesco que necessitará do apoio, engajamento e de um quase pacto de solidariedade e de compreensão da sociedade para o trabalho que precisa ser feito daqui para frente. Não há como jogar pedras e queixas em quem entra reclamando das dificuldades que, inevitavelmente, virão. Há um custo a pagar pela herança maldita — essa sim indiscutível e os dados estão aí para demonstrar.

Até mesmo a disparada de preços entrou no radar como novo desafio. As tarifas represadas artificialmente para fins eleitoreiros estão sendo remontadas com peso adiante. O governo Lula pretende desobstruir a Lei Rouanet e assim trazer de volta um mínimo de incentivo necessário à Educação como medida civilizatória. O amortecimento dos baques sentidos por escolhas indevidas da atual administração passa por um verdadeiro “revogaço” de regras como a que levou a uma escalada armamentista da população ou mesmo a de incentivos à compra de iates, jet skis e quetais para deleite de um presidente que nunca teve noção do que realmente importa no trajeto do desenvolvimento. Lula, no momento, está marcando posição a favor de uma reforma tributária que reforce a justiça social. Promete fazer o possível para o resgate, o quanto antes, da dignidade de vida daqueles 33 milhões que passam atualmente fome. Já fez isso antes, quando de sua primeira passagem pelo poder. Ali tirou da miséria cerca de 36 milhões de cidadãos. É justamente tal viés, voltado de maneira clara para os mais necessitados e desamparados, que, curiosamente, incomoda a elite, francamente crítica e de má vontade com os movimentos do demiurgo de Garanhuns. Lula não pretende recuar, mesmo com as resistências. Tem como objetivo estruturar nesses próximos quatro anos uma marca que o projete para a história e que deixe seu nome inscrito no panteão de estadistas globais. Apesar do legado recebido, acredita ter chances de reconstruir o que foi destruído.