Em 1958, quando publicou seu clássico “Os Donos do Poder”, Raymundo Faoro apresentou-nos uma tese deveras perturbadora. O ponto central do livro, como se recorda, era a  de que, desde os tempos coloniais, um “patronato político” se apropriara do Estado, apagando praticamente a distinção entre o público e o privado. Essa tese permitia duas interpretações diametralmente opostas. Uma, pessimista, sugeria que tal sistema de domínio, denominado patrimonialismo, fincara raízes profundas, tornando-se praticamente impossível de erradicar. A outra, otimista, considerava que o patrimonialismo não resistiria à modernização do  país, ao crescimento da economia e à intensidade da competição política.

Retomando a questão, a que conclusão chegaríamos hoje? Arrisco-me a afirmar que o horizonte pessimista não só prevaleceu como se tornou muito pior do que o desenhado por Faoro. A superação do patrimonialismo exigiria um vigoroso fortalecimento, dentro da elite, de uma parcela efetivamente voltada para o bem comum. Vale dizer, para um Estado orientado por objetivos públicos e não para o favorecimento de grupos privados. Essa parcela existe, sem dúvida, mas permanece exígua em relação ao restante. O confronto entre essas duas orientações é, no essencial, o eixo do sistema político brasileiro. Durante a maior parte do século passado, a busca pelo crescimento econômico, regida pela ideologia nacional-estatizante, logrou êxitos inegáveis, mas esbarrou em dois portentosos obstáculos. De um lado, a chamada “armadilha do baixo crescimento”. Chegamos a uma renda anual por habitante de 11 mil dólares, metade da portuguesa, e aí empacamos. Se a fizermos crescer a uma taxa média de 3%, levaremos 23 anos para atingir o nível que Portugal já alcançou. Segundo, à medida que o Estado se agigantava, o tosco patrimonialismo de origem lusitana transformou-se numa grande máquina corporativista, ou seja, num setor público continuamente subjugado por interesses exclusivistas.

Esse é o quadro quando examinamos o funcionamento dos Três Poderes, das empresas estatais e de toda a miríade de organizações que gravitam nesse entorno. Refazê-lo de alto a baixo tem que ser a verdadeira agenda política do País, e é mais ou menos esse é o discurso do governo Bolsonaro. O avanço que ele conseguir rumo à grande reforma será a medida de seu êxito ou fracasso?

Um Estado orientado por objetivos públicos e não para o favorecimento de grupos. Esse confronto é o eixo do sistema político brasileiro