SÃO PAULO, 31 JUL (ANSA) – A prisão de Nicola e Patrick Assisi, pai e filho acusados de ligação com a ‘ndrangheta e capturados pela Polícia Federal em Praia Grande (SP), jogou luz sobre um dos mais poderosos grupos mafiosos da Itália.   

Com base na Calábria, “bico da bota” que representa o mapa italiano, a ‘ndrangheta costumava ser eclipsada pelos atentados ostensivos da siciliana Cosa Nostra ou pelas guerras urbanas da napolitana Camorra, mas ganhou força e hoje controla boa parte do comércio internacional de cocaína.   

Veja abaixo algumas características desses três grupos que comandam o crime organizado na Itália: Cosa Nostra – É o grupo mais identificado com o termo “máfia”, que vem do siciliano “mafiusu” (“arrogante”), especialmente por causa da espiral de violência que marcou a segunda metade do século 20 na Sicília e suas representações no cinema.   

A Cosa Nostra – nome popularizado com suas ramificações nos Estados Unidos – é dividida em clãs e marcada por lideranças fortes, como Salvatore “Totò” Riina (1930-2017), o “poderoso chefão” que protagonizou a “Segunda Guerra da Máfia”, nos anos 1980, quando assumiu o comando da organização.   

Em seu período na chefia da Cosa Nostra, Riina instaurou um período de terror na Sicília e ordenou os atentados que mataram os juízes Giovanni Falcone e Paolo Borsellino, em 1992. Preso em 1993, ele foi considerado por muitos como o verdadeiro líder da máfia siciliana até sua morte.   

Seu sucessor fora das cadeias, Bernardo Provenzano (1933-2016), iniciou um processo de “pacificação” entre as facções da Cosa Nostra e fez o possível para reduzir a atenção midiática que pairava sobre o grupo.   

Em dezembro passado, a Polícia da Itália prendeu aquele que seria o novo líder da máfia, Settimino Mineo, no âmbito de um inquérito que descobriu que criminosos haviam reconstituído a “cúpula” da Cosa Nostra, inativa desde o início dos anos 1990, por conta da prisão de Riina.   

O retorno desse colegiado é um indício de que os clãs decidiram recuperar a estrutura unitária que havia na Cosa Nostra.   

‘ndrangheta – Assim como a Cosa Nostra, a ‘ndrangheta, da vizinha Calábria, é baseada em clãs, chamados de ‘ndrine (do singular ‘ndrina). A diferença é que essas facções são verdadeiros núcleos familiares (como mostra o caso de Nicola e Patrick Assisi), enquanto na máfia siciliana as ligações nem sempre são de sangue.   

Em função disso, o fenômeno dos “arrependidos” é menos comum na ‘ndrangheta. Na Cosa Nostra, por outro lado, são célebres os delatores que abdicaram de seus laços mafiosos, como Tommaso Buscetta (1928-2000), rival de Riina e com passagens pelo Brasil.   

Essa característica também faz com que a ‘ndrangheta não tenha um comando centralizado e consiga agir sem levantar o clamor da Cosa Nostra. O resultado é que seu combate pelo Estado se torna muito mais difícil. Não são poucos os que consideram a ‘ndrangheta a máfia mais poderosa da Itália – e até do mundo – na atualidade, e suas ramificações atingem a Europa, a América do Norte e a América Latina.   

Em solo italiano, seu poder de influência chega até em torcidas organizadas do norte, como ficou demonstrado no processo que desvendou como um clã havia se infiltrado entre os “ultras” da Juventus para lucrar com a revenda de ingressos.   

Camorra – A máfia napolitana ganhou fama mundial com o livro-filme “Gomorra”, de Roberto Saviano, que até hoje vive sob escolta policial, mas sua formação é até mais antiga que a da Cosa Nostra, provavelmente da primeira metade do século 19.   

Assim como a ‘ndrangheta, não possui um comando unitário e centralizado, adotando uma estrutura horizontal que ignora a hierarquia característica da Cosa Nostra. Enquanto as máfias siciliana e calabresa utilizam a violência como meio de alcançar seus objetivos, para a Camorra ela é muitas vezes um fim, algo intrínseco à sua própria forma de organização.   

Essas características criam um cenário de constantes conflitos entre os clãs. Nas décadas de 1970 e 1980, o mafioso Raffaele Cutolo deu forma à chamada “Nova Camorra Organizada” (NCO), que buscava unificar o controle da máfia napolitana sob seu poder.   

Cutolo atraía presidiários e a juventude pobre da Campânia, e sua ascensão ocorreu em meio a guerras sangrentas com as outras facções napolitanas. A NCO acabou suplantada pela “Nova Família”, uma espécie de federação de clãs criada com o propósito de derrotar Cutolo, que hoje cumpre prisão perpétua em isolamento.   

Sem a motivação de destronar a NCO, a Nova Família acabou se desfazendo e dando espaço para a antiga organização horizontal da Camorra. Além do tráfico de drogas, a máfia napolitana tem forte atuação na gestão de resíduos tóxicos e no mercado têxtil, como é fartamente documentado por Saviano em “Gomorra”. (ANSA)