Um dos maiores especialistas brasileiros no agronegócio, Roberto Rodrigues considera que o Brasil ocupará um papel vital na segurança alimentar global. “Estamos equiparados aos EUA, mas a tendência é que sejamos maiores”, diz ele. Para isso, é preciso reforçar as pesquisas, eliminar gargalos de infraestrutura e diminuir a insegurança jurídica, que afasta os investidores. O Brasil está ficando para trás em termos de tecnologia. Rodrigues julga que o novo protecionismo global ameaça a expansão das exportações e diz que é “um absurdo” as críticas ao uso excessivo de agrotóxicos no País. Ex-ministro da Agricultura no governo Lula, coordenador do Centro de Agronegócios da FGV e titular da cátedra de Agronegócios da Esalq-USP, ele organizou esse ano “Agro Paz”, livro que resume a sua visão sobre o segmento em que atua desde 1965 como professor, empresário e político.

A guerra comercial entre os EUA e a China atrapalha ou ajuda o Brasil?

É preciso entendê-la bem. Ela tem uma vertente comercial, de política eleitoral. Mas a grande orientadora dessa guerra é a hegemonia tecnológica. É um tema que me incomoda muito, porque estamos ficando para trás em termos de tecnologia. No curto prazo, tivemos vantagens, pois a China compra mais da gente — apesar disso ter sido drasticamente alimentado pela peste suína africana, que os atingiu. Mas a guerra atrapalha no médio e longo prazo. Ela gerou um neoprotecionismo global, uma espécie de desglobalização. Tirou o protagonismo das grandes organizações multilaterais, como a OMC e a própria ONU. Com isso, os países ricos voltaram a proteger seus produtores. No médio prazo, isso seria fatal para nós, já que entraríamos em um processo de perda de mercado.

O acordo Mercosul-União Europeia (UE) avançou por causa desse conflito?

Ele surgiu de repente, depois de 20 anos, por causa disso. A UE percebeu que o neoprotecionismo custaria muito caro. Já o tratado é mais barato para eles. E é fundamental para o Brasil, porque estávamos fora do tabuleiro do comércio global. Além disso, abriu a chance para novos acordos, ou seja, é uma cunha para a abertura comercial. Essa é a minha visão. Naturalmente, produtores não competitivos de alguns países ficaram preocupados e se opuseram. Precisavam de um argumento. O Brasil deu esse argumento com o problema mal comunicado dos incêndios na Amazônia e do desmatamento. Isso foi usado e acabou criando uma certa dificuldade para o tratado com os europeus. Espero que a gente consiga superar para ganhar mercados.

A polêmica com as queimadas da Amazônia prejudicou as exportações?

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Olhando a série histórica de queimadas, a maior ocorreu em 2004, no governo Lula. Eu era ministro da Agricultura e trabalhei ao lado da Marina Silva, que era ministra do Meio Ambiente. Com isso, o desmatamento despencou. Mas sempre em agosto há problemas. Esse ano pegou mais fogo no Centro-Oeste por causa da seca. Esse problema ainda não afetou as exportações, mas pode acontecer, até como argumento contra o acordo Mercosul-União Europeia. Esse episódio foi bem aproveitado pela concorrência e mal explicado pelo Brasil. O produtor rural não quer queimar. E o governo precisa combater, não tem perdão. Há falta de recursos para isso. Falta estrutura.

O governo fez bem em cortar as relações com as ONGs que atuam na Amazônia?

Não vou dizer que é incorreto ou correto. Há sempre dois lados. Acho que não podia ser como uma régua para todo mundo. Sou conselheiro de uma ONG ambientalista. Há ONGs sérias e outras que podem servir aos interesses de madeireiros, garimpeiros etc. Tem de separar o joio do trigo.

A política de liberação de agrotóxicos do governo Bolsonaro é adequada?

A mudança de política não ocorreu no governo Bolsonaro, já veio do governo Temer. Todos os países do mundo registram moléculas de defensivos agrícolas, que são cada vez mais modernas ou menos agressivas ao meio ambiente. Nos países desenvolvidos, o registro demora em média de dois a três anos. No Brasil, a média era de oito anos e meio. Quando o defensivo era aprovado, já tinha ficado velho em seu país de origem. A nossa burocracia servia a três instituições — Ibama, Anvisa e Ministério da Agricultura —, que precisavam registrar juntas. Isso faz sentido, mas o processo era muito lento. Estávamos ficando para trás na modernização das moléculas. O ex-ministro Blairo Maggi (no governo Temer) agilizou os processos e a Tereza Cristina, na gestão atual, deu sequência com um pouco mais de vigor.

Há prejuízos para o controle?

Isso não representa nenhuma redução na qualidade da gestão. Só reduziu a burocracia. Segundo dados compilados pela Unesp, que é insuspeita, a Holanda está em primeiro lugar no ranking do volume de defensivos agrícolas utilizados por hectare. Em segundo, o Japão, seguido de Bélgica, França e Inglaterra. O Brasil é apenas o sexto colocado. E devemos levar em conta que temos duas ou três safras por ano. Portanto, gastamos muito menos do que esses outros países. As críticas são um absurdo.

Existe desinformação? Interesses políticos?

Não vou dizer isso, mas pode ser que haja. O problema, porém, não é esse. É a falta de informação correta. Em termos de gastos de dólares com defensivos por hectare, estamos na sétima colocação. Quando se fala em gastos por produção, estamos em 13º lugar. O que ocorreu no Brasil foi apenas a modernização do processo burocrático para termos uma molécula menos agressiva ao meio ambiente e ao homem.

As garantias para a população, inclusive em relação à saúde, estão preservadas?


Sim, as regras são rigorosas. Liberar uma molécula requer um estudo muito rigoroso. Desburocratizar não significa flexibilizar critérios. E eu detesto, aliás, o termo agrotóxico. Os defensivos — herbicidas, agroquímicos, o que for — são o remédio da planta. Se não passar, ela morre. E morre mais nos países tropicais que nos países do norte. O problema ocorre na aplicação. Infelizmente, ainda tem gente que pulveriza de qualquer jeito. Essa questão é um tema central, mas não é grave. E existem problemas de educação, informação etc., inclusive com diferenças regionais. Isso não é a regra, mas aparece.

A polêmica sobre os transgênicos já ficou para trás?

Não totalmente. Ainda há áreas que resistem aos transgênicos, principalmente na Europa. A questão científica está superada. Tudo o que é novo implica dúvidas e resistências. Acho que há uma onda maior do que a relacionada à transgenia. É uma tendência ambientalista global fortemente plantada na juventude. Ela exige produtos rastreados, certificados etc. É positiva e vai durar muito mais. Temas como vegetarianismo e veganismo estão inseridos nesse novo projeto, que mudará eventualmente o hábito alimentar. Isso tem a ver com renda, poder aquisitivo. Existe uma relação entre o desejo preservacionista, procedente e verdadeiro, em face da capacidade de se pagar por isso. É um assunto fundamental para o futuro.

O Brasil está preparado para a Agricultura 4.0?

Como fazer com a conectividade das máquinas agrícolas na Amazônia, no Mato Grosso ou no Maranhão? Hoje já há fábricas de máquinas agrícolas que vendem os tratores com a torre, pois não há sinal. A tecnologia está avançando e vai chegar, mas será aplicada de forma desigual. Isso é ruim, porque vai concentrar a renda do campo. As cooperativas agropecuárias precisam centrar sua atuação em agricultura 4.0. É essencial que o governo olhe para isso financiando as cooperativas. Elas precisam levar ao pequeno produtor a tecnologia que o grande vai ter. Se não houver políticas públicas que viabilizem o acesso igual para todo mundo, esse parque que não tem acesso à tecnologia será destruído.

É possível crescer sem expandir a área cultivável?

Nós temos terra e tecnologia. É possível crescer mais, com maior produtividade na área atual. O grosso da nova produção virá das áreas de pasto, que vão virar agricultura, ou de áreas agrícolas que vão aumentar a produtividade com o uso de mais tecnologia. Em termos de terras disponíveis, o País tem 66% do território com vegetação nativa, segundo a Embrapa. Que país grande tem isso? Todas as fazendas agrícolas juntas ocupam 9% do território nacional. As de pastos, 21%. Ao todo, ocupamos 30% com produção. É pouco, há muito por fazer, até em desmatamento legal. O mundo vai precisar.

O senhor acha que o Brasil vai passar os EUA como maior produtor de soja?

Já passou. Estávamos competindo pela liderança, mas nosso potencial é muito maior. Eu me formei em 1965. Havia 400 mil hectares de soja no Brasil. Hoje, temos 33 milhões. Multiplicamos por três a produtividade e a área cultivada explodiu. Podemos crescer muito mais. Essa guinada para o Centro-Oeste, que transformou o Brasil em um grande produtor mundial, se deveu a três fatores: a soja, a braquiária (um tipo de capim) e o gado zebu. Eles se tropicalizaram muito rapidamente graças ao trabalho da Embrapa. Podemos plantar soja do Oiapoque ao Chuí, do Acre à Bahia. A pecuária de corte e de leite está crescendo e a área de pastagens está diminuindo. Produzimos muito mais por hectare. Estamos equiparados aos EUA, mas a tendência é que sejamos maiores. E com outra característica: o sol, no Brasil, produz uma soja com maior teor de proteínas e óleo, com melhor qualidade do que a americana.

A demora na aprovação das reformas atrapalha o setor do agronegócio?

Atrapalha o Brasil. E o agro, obviamente. Por outro lado, há um horizonte pela frente, que não havia antes. Michel Temer quase deixou um legado extraordinário. Fez a Reforma Trabalhista, que era importantíssima, e ia fazer a Previdenciária, mas não deixaram. Porém, as coisas estão andando. Atualmente o horizonte está menos nublado.


A judicialização em excesso atrapalha os negócios?

O grande problema é a falta segurança jurídica. O Brasil é visto com enorme desejo pelo investidor, mas ele não vem para cá por causa disso. É preciso avançar nas reformas — da Previdência, Tributária, Política etc. — para ele ter um horizonte de payback, de retorno dos investimentos. Aqui, a Dilma até tabelou o payback… Falta segurança jurídica não apenas do ponto de vista legal, mas do cumprimento da lei. Isso é fundamental. A Reforma Trabalhista foi feita, mas tem juiz que não a cumpre… E falta segurança para o produtor, no sentido mais amplo. Segurança no campo.


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