Desde que se elegeu de forma triunfal para levar a cabo o Brexit, Boris Johnson tem enfrentado uma sucessão sem fim de problemas. O primeiro-ministro virou craque em tomar decisões erradas, em responder à ira dos ingleses e em tentar driblar as dificuldades crescentes com a saída da União Europeia. O tsunami de más notícias parece não ter fim. Ainda assim, Johnson escolheu encarar mais uma dor de cabeça desnecessária e caótica: a volta às aulas em meio à pandemia. Indo de encontro a todos os estudos que comprovam uma possível segunda onda do coronavírus com a chegada do inverno, o premiê insiste na retomada da educação presencial em setembro. Isso causa um grande temor, pois foi comprovado que a estação fria pode ocasionar um surto de contágio pior do que o primeiro. E se a aposta der errado? Ele já escolheu as vítimas: trabalhadores e movimentos sindicais. Para o conservador, são eles os responsáveis pela segurança das salas de aula. “Continuar com as escolas fechadas por mais tempo é socialmente intolerável, economicamente insustentável e moralmente indefensável”, disse. Johnson alega que os estudos são prioridade nacional. Uma fala correta, claro, mas temerária diante das mais de 46 mil mortes no país.

“A união do Reino Unido é, para mim, a maior parceria política que o mundo já viu. Seria uma pena perder o poder e a mágica dessa união” Boris Johnson, primeiro-ministro do Reino Unido

NOVA ONDA Com a chegada do inverno, a Inglaterra corre o risco de um aumento de contágio do novo coronavírus (Crédito:DANIEL LEAL-OLIVAS)

A resposta vacilante à pandemia está cobrando seu preço do primeiro-ministro. O Reino Unido optou tardiamente pelo lockdown, e por isso demorou mais também para reabrir as lojas e reativar a economia. Com isso, foi o país mais atingido no planeta entre as grandes economias, com uma retração de 22,1% do PIB no semestre (contra 18,9% da França, 17,1% da Itália, e 11,9% da Alemanha). A queda trimestral foi a mais grave desde 1955. Pela primeira vez em onze anos, o Reino Unido entrou em recessão, o que não ocorreu com Espanha e Itália, também gravemente atingidos pela Covid-19.

Tensões na Escócia

Para os críticos, o foco na retomada e na volta da educação presencial é uma ferramenta para tirar a atenção do gigantesco problema gerado na economia. Também é uma forma de lidar com as dificuldades persistentes com o Brexit. O país não conseguiu fechar um acordo de livre comércio com os EUA e não avançou com as negociações da saída com a União Europeia, que prometem impor um grande fardo à indústria do país. Se já não bastasse isso, o Brexit está criando tensões inesperadas. A Escócia, uma das nações mais fortes do Reino Unido, vê um novo impulso para sua independência. Vale lembrar que foi totalmente contra o Brexit. “A união do Reino Unido é, para mim, a maior parceria política que o mundo já viu”, disse o premiê recentemente. “Seria uma pena perder o poder e a mágica dessa união.” E a magia está a um passo de virar bruxaria. Entre as consequências brutais e desastrosas enfrentadas por Johnson, os irlandeses também abrem uma nova brecha para a discussão da unificação das duas Irlandas, desfazendo um delicado equilíbrio que havia sido atingido a duras penas depois de décadas de conflito. Nessa tempestade, Boris Johnson não fez nada senão piorar o cenário dentro do Reino Unido. Em uma foto divulgada recentemente, numa sala de aula vazia, o primeiro-ministro posa com os braços abertos, como quem está prestes a abraçar alguém. Está sozinho, com a roupa um pouco amassada e o cabelo despenteado. Essa, talvez, seja a imagem perfeita do momento de Boris no Reino Unido: um misto de vazio, bagunça e preocupação.